Cirurgião português apresenta nos EUA estudo sobre disfunções temporomandibulares em crianças

2 de Março 2024

Liderada pelo médico cirurgião David Ângelo, uma equipa portuguesa de profissionais de saúde realizou, entre 2019 e 2023, um estudo prospetivo inédito para investigar a eficácia e segurança de técnicas cirúrgicas minimamente invasivas da articulação temporomandibular (ATM) em idade pediátrica.

O estudo foi apresentado esta sexta-feira, dia 1 de março, por David Ângelo, a convite da Sociedade Americana de Cirurgiões da Articulação Temporomandibular, que realiza o seu congresso anual de 2024 entre 29 de fevereiro e 3 de março. Esta apresentação surge no âmbito da publicação do referido estudo na revista Journal of Clinical Medicine, a 24 de janeiro.

Durante muitos anos, não existiu consenso sobre como tratar as disfunções temporomandibulares em crianças (por um conjunto de situações era recomendável esperar até o doente atingir os 18 anos para algumas intervenções cirúrgicas à articulação temporomandibular de crianças), por receio de poder causar complicações ou possíveis alterações no seu crescimento craniofacial, assim como danos irreversíveis.

A ideia do estudo surgiu pelo médico David Ângelo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (Cirurgia de Cabeça e Pescoço) e cirurgião no Instituto Português da Face, que explica que começou a observar uma procura elevada da sua consulta por pais,“com crianças com idades entre os 5 e os 14 anos, devido a problemas nas articulações temporomandibulares e queixas de dores fortes. Alguns casos estavam a fazer medicação diária para a dor e algumas crianças já estavam a tomar antidepressivos. Desenhei um estudo, com a minha equipa, para avaliar o impacto de técnicas minimamente invasivas (artrocentese e a artroscopia) na articulação temporomandibular desta população.”

Após aprovação pela comissão de ética, o estudo teve início a 1 de junho de 2019 (numa duração total de três anos) e incluiu doentes com idade inferior a 18 anos, com patologia da articulação temporomandibular. Dependendo do estado da doença, o cirurgião realizava a artrocentese ou a artroscopia da ATM (duas técnicas minimamente invasivas onde David Ângelo tem já muita experiência em adultos, com bons resultados). Foi realizada a avaliação de diferentes parâmetros como a dor, dificuldade na mastigação, tensão muscular, dificuldade na abertura da boca e complicações da intervenção.

O estudo incluiu 26 crianças, em que 67% fez artrocentese e 33% fez artroscopia, sendo posteriormente seguidas por uma equipa de acompanhamento multidisciplinar. Os resultados alcançados foram muito positivos: verificou-se uma redução significativa da dor no pós-operatório de quase 90%, uma melhoria da função mastigatória de mais de 96% e redução dos estalidos intra-articulares em 89% das crianças.

Não tendo apresentado nenhuma complicação cirúrgica nestes tratamentos, foi também possível reduzir a dor média (de 4.04 antes da intervenção para 0.5 após intervenção) e comprovar bons resultados da abertura de boca (de 35.5mm para 43mm após a cirurgia).

A artrocentese e a artroscopia da articulação temporomandibular representaram assim uma opção eficaz e segura para tratar doentes em idade pediátrica com disfunções temporomandibulares intra-articulares, oferecendo uma solução minimamente invasiva, especialmente quando o tratamento conservador falhar. No entanto, o cirurgião recomenda cuidados especiais: só mãos experientes devem fazer esta intervenção em crianças pois há particularidades técnicas que é importante controlar para os procedimentos serem bem-sucedidos.

A equipa submeteu os resultados à revista internacional “Jornal of Clinical Medicine”, que reconheceu mérito e a qualidade desta investigação.

O estudo prospetivo deu, assim, a conhecer que tanto a artrocentese como a artroscopia da articulação temporomandibular parecem beneficiar doentes em idade pediátrica com disfunções temporomandibulares, diminuindo significativamente a dor, melhorando a abertura máxima de boca, evitando a progressão da doença sem complicações pós-operatórias relevantes.

O número de crianças com estes problemas tem vindo a aumentar, provavelmente devido à sobrecarga, ao stress e ansiedade em que vivem atualmente. Com estes resultados, é possível uma intervenção mais “precoce” nesta comunidade, sem ser necessário aguardar até aos 18 anos de idade, garantindo uma melhoria da qualidade de vida destes doentes e evitando complicações da doença.

PR/HN

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