António Araújo: “O cancro do pulmão de pequenas células é uma doença em que existe uma grande necessidade de investigação”

03/08/2024
De acordo com o Diretor do Serviço de Oncologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto, cerca de 13% de todos os casos de cancros de pulmão são de pequenas células. Este tipo de carcinoma é altamente agressivo e metastiza de forma muito precoce para diversas partes do corpo. Em entrevista ao nosso jornal, António Araújo alerta que ainda não existe tratamento eficaz para a doença, defendendo uma maior investigação. 

HealthNews (HN)- Já todos ouvimos falar sobre o cancro do pulmão e as suas complicações para a saúde, mas são poucos os que conhecem e distinguem os diferentes tipos da doença. O que distingue o cancro do pulmão de não-pequenas células do cancro do pulmão de pequenas células?

António Araújo (AA)- Por um lado, aquilo que os distingue é a morfologia das células. No carcinoma do pulmão de não-pequenas células, como o próprio nome indicam, acabam por se diferenciar em termos de tamanho quando comparado com o carcinoma do pulmão de pequenas células.

Por outro lado, enquanto o primeiro tipo de cancro provém de células do epitélio brônquico e pulmonar, o segundo provém de células da crista neural (do nosso desenvolvimento embrionário). As características genéticas das células diferenciam-se por um comportamento mais ou menos agressivo.

HN- A nível nacional, qual é a realidade do cancro do pulmão de pequenas células? Como o descreve o cenário da doença?

AA- No total de cancros do pulmão, temos cerca de cinco mil novos casos, sendo que cerca de 13% são do cancro do pulmão de pequenas células. Também sabemos que mais de três quartos apresentam-se em estadio avançado e metastizado. Isto faz com que o prognóstico da doença seja sombrio.

03:39 Este tipo de cancro evolui rapidamente e metastiza precocemente. Ao contrário do cancro de não-pequenas células, que tem um padrão de metastização mais homogéneo, o carcinoma do pulmão de pequenas células pode espalhar-se para qualquer parte do corpo. É por isso que nestes doentes vemos, muito frequentemente, metastização óssea, metastização cerebral, metastização pumonar e metastização nas glândulas suprarrenais…

HN- Quais os principais sintomas e sinais de alerta?

AA- No que toca a esta questão, os sinais e sintomas são muito sobreponíveis com o cancro do pulmão de não-pequenas células. Os doentes podem apresentar tosse, expectoração, falta de ar, perda de apetite, emagrecimento ou cansaço geral. A própria metastização pode provocar fraturas nos ossos ou o aparecimento de icterícia subita.

HN- Este tipo de cancro afeta de igual forma homens e mulheres?

AA- O cancro do pulmão de pequenas células é mais comum nos homens. Cerca de dois terços são diagnosticados no sexo masculino. Este tipo de carcinoma está muito ligado ao consumo de tabaco. Mais de 80% dos doentes são fumadores.

HN- Para além do tabagismo, que outros fatores de risco estão ligados à doença?

AA- A exposição às fibras de asbesto e ao radão são outros fatores de risco que podem aumentar o aparecimento da doença.

HN- Ainda não existe nenhum rastreio aprovado a nível internacional que permita aos médicos fazer um diagnóstico precoce. O diagnóstico deste tipo de cancro ainda é um desafio? Qual a importância do diagnóstico precoce?

AA- Quanto mais precoce for o diagnóstico, mais chance tem o doente de conseguir controlar a sua doença. Está provado que um rastreio de cancro do pulmão aumenta o diagnóstico nos estadios mais precoces, permitindo salvar vidas. Infelizmente Portugal deixou passar uns fundos comunitários europeus que iriam permitir implementar o rastreio de cancro do pulmão. Manuel Pizarro disse em 2022 que até o final do ano passado teríamos um projeto-piloto para aproveitar essas linhas de finaciamento, mas essa promessa não se concretizou.
HN- A nível terapêutico, quais as principais dificuldades que os doentes com cancro do pulmão de pequenas células enfrentam?
AA- Os medicamentos que temos disponíveis não funcionam ou funcionam muito mal no carcinoma do pulmão de pequenas células. Temos um protocolo de quimioterapia que é clássico. É o que mais usamos quer nos casos mais precoces, quer nos estadios mais avançados. De qualquer modo, a imunoterapia veio melhorar a taxa de sobrevivência nos casos mais avançados, mas não é forma impactante. Portanto, esta doença não só começa a ser considerada orfã, como também é uma doença com pouca oferta terapêutica eficaz. O cancro do pulmão de pequenas células é uma doença em que existe uma grande necessidade de investigação.
Entrevista de Vaishaly Camões

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