Catarina Oliveira sobre Hipertensão Arterial: “A minha expetativa é a aposta na prevenção”

05/17/2024
A hipertensão arterial é uma doença crónica: “é fundamental controlá-la e esse controlo tem que ser feito, sem dúvida, com a terapêutica médica otimizada e com a contínua adoção de hábitos e estilos de vida saudáveis”. Para assinalar o Dia Mundial da Hipertensão, o HealthNews entrevistou Catarina Oliveira, técnica de Cardiopneumologia e professora convidada da Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa.

HealthNews (HN) – O que é esta doença silenciosa e grave chamada hipertensão arterial?

Catarina de Oliveira (CO) – A hipertensão é um importante problema de saúde pública, pela elevada prevalência que tem, não só no nosso país, mas a nível mundial. Estima-se que existe uma prevalência de hipertensão arterial superior a 20% a nível global. A hipertensão arterial define-se como uma pressão arterial sistólica superior a 140 mmHg e/ou uma pressão arterial diastólica superior a 90 mmHg.

HN – Pode ser silenciosa durante anos. Como é que a população se deve comportar e em que circunstâncias deve consultar o médico?

CO – Apesar de não ser possível definir com precisão, na maior parte dos casos, a causa da hipertensão arterial, tanto os fatores de risco não modificáveis como os modificáveis podem ser igualmente responsáveis. Os fatores não modificáveis são aqueles que não podemos alterar: a hereditariedade, a idade, o género (temos um risco mais elevado de hipertensão arterial no sexo masculino) e a raça. Mas é possível a população em geral atuar nos fatores modificáveis, na obesidade, a nível do tabagismo, diminuir o consumo de sal e o consumo de gorduras, dar preferência à ingestão de frutas e vegetais, praticar uma atividade física regular e evitar o stress. É uma doença silenciosa, mas é possível preveni-la e controlá-la quando se manifesta – quando temos valores de pressão arterial elevados, superiores aos 140/90 mmHg.

HN – A dieta mediterrânica é recomendada pela comunidade médica, e em Portugal temos uma gastronomia muito rica. Apesar disso, na alimentação, temos aspetos a melhorar que podem ter impacto a nível da hipertensão?

CO – A nossa dieta, a mediterrânica, é uma dieta muito composta e muito rica. Dar preferência, como eu estava a dizer há pouco, à ingestão de frutas e vegetais é fundamental, bem como limitar o consumo de gordura e a ingestão de sal (podemos fazer a substituição do sal por ervas aromáticas). E, por outro lado, complementar sempre com a atividade física. O sedentarismo acaba por não ajudar, tal como a ingestão de álcool e o tabagismo ativo, porque, na realidade, se nós fizermos uma dieta mediterrânica equilibrada, não vamos ter tantos problemas quanto outros países com outro tipo de alimentação mais pesada.

HN – Em Portugal, neste momento, quais são as principais fragilidades, ou, para sermos mais positivos, as oportunidades, aquilo que ainda podemos fazer a nível de políticas públicas ou a nível do nosso sistema de saúde por estes doentes e por aqueles que ainda podem não vir a adoecer?

CO – A hipertensão é dos fatores de risco mais prevalentes na população portuguesa e, como doença crónica que é, precisa de terapêutica e de vigilância, que tem que ser continuada. É importante os doentes perceberem, e os próprios profissionais de saúde, que a interrupção da terapêutica, quer seja de uma forma absoluta quer seja de uma forma intermitente, pode associar-se a um agravamento da situação clínica. Nesse sentido, na minha opinião, é fundamental apostar em rastreios e campanhas que sensibilizem a população em geral, sendo esta uma doença silenciosa, para a medição contínua da pressão arterial. Na maior parte das vezes ela não se manifesta primeiramente através de sintomas, ela revela-se numa consulta e, de repente, os valores estão altos e nem sabemos porquê.

Se a população em geral fizer uma medição e tiver valores de pressão arterial superiores aos tais 140/90 mmHg, já é um sinal de alerta. É um sinal de que o doente deve recorrer a um médico para fazer uma avaliação do seu estado clínico, de forma a evitar o agravamento do seu estado de saúde.

HN – Como a diabetes, a hipertensão exige que os doentes tenham uma boa literacia em saúde e consigam controlar a sua doença, correto?

CO – Sem dúvida que sim. Os doentes têm que ter conhecimento desses valores, têm que saber quando é que a pressão arterial está elevada e têm que fazer, aqueles que têm de facto a pressão arterial elevada, a toma da medicação correta e, sempre que possível, a adoção destes hábitos ideais. Quando os doentes que já são medicados e adotam todas estas medidas vão depois medir a pressão arterial, o ideal é que ela esteja sempre abaixo dos valores limite e que o tratamento não cesse quando os valores estiverem controlados, porque a interrupção repentina ou absoluta da terapêutica vai provocar um agravamento e os valores vão, tendencialmente, aumentar novamente.

Portanto, é fundamental as pessoas terem conhecimento dos valores e fazerem uma correta medição da pressão arterial (não é preciso fazê-lo todos os dias). Tomar nota quando fazem a medição da pressão arterial, idealmente sempre à mesma hora, meia hora depois de comer e não logo a seguir a comer: tudo isto é importante exatamente para que haja um maior controlo, não só dos médicos, em relação aos valores dos doentes, mas do próprio doente, e o envolvimento deste na sua patologia.

HN – É verdade que a maioria dos doentes não tem a hipertensão controlada?

CO – Grande parte dos doentes não tem a hipertensão controlada. Aliás, o primeiro inquérito nacional da prevalência da hipertensão arterial em Portugal, de 2015, revela-nos que 36% tem hipertensão arterial. Destes, 70% têm conhecimento, e apenas 70% dos que têm conhecimento estão sob tratamento médico. Portanto, cerca de um terço nem sequer estão sob tratamento médico. São números muito relevantes, que podem ser colmatados com a questão, sem dúvida, da literacia em saúde e da existência deste tipo de políticas, quer da adoção de hábitos saudáveis, quer na insistência da medição da pressão arterial, mesmo em doentes que não são hipertensos.

HN – Como se explica que tantos doentes diagnosticados não tenham a hipertensão controlada?

CO – Quando nós perguntamos aos doentes se são hipertensos, grande parte responde-nos que não, mas quando questionamos se tomam algum comprimido para a pressão arterial elevada, eles dizem-nos que sim. Ou seja, consideram que, estando o valor bem, já não são hipertensos, e muitos deles acabam por cessar o tratamento. Na grande maioria dos casos, acabam por não ter consultas de seguimento e acham que têm os valores da pressão arterial controlados e, portanto, já não precisam de tomar medicação. Na realidade, a hipertensão arterial é uma doença crónica – é fundamental controlá-la e esse controlo tem que ser feito, sem dúvida, com a terapêutica médica otimizada e com a contínua adoção de hábitos e estilos de vida saudáveis.

HN – O que é que espera que aconteça no futuro? A terapêutica já está bastante evoluída, certo?

CO – Sem dúvida que a hipertensão arterial é das patologias mais estudadas. Nas últimas referências internacionais, que nós designamos de guidelines e que saíram em 2023, a terapêutica está bastante especificada e apontam que tipos de doentes beneficiam de diferentes tipos de fármacos. Portanto, a minha expetativa é a aposta na prevenção. Isso sim é fundamental, a adoção, tanto quanto possível, dos hábitos e estilos de vida saudáveis. Não podemos estar à espera que a doença se manifeste para depois começarmos a adotar essas medidas.

Quando ela se manifestar, procurar o seu controlo, com a terapêutica médica e, também, todos aqueles fatores que são modificáveis. Os outros nós sabemos que não conseguimos controlar, porque temos maior probabilidade de desenvolvimento de hipertensão arterial quanto mais avançada é a idade, porque sabemos que nos indivíduos de raça negra a manifestação também é superior. Mas conseguimos controlar os outros, de uma forma equilibrada, e tentar fazê-lo diariamente.

Entrevista de Rita Antunes

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