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“Não é esta a Medicina Geral e Familiar que pretendemos”
A Medicina Geral e Familiar (MGF) vive um período sem precedentes, numa pandemia que obrigou a uma reorganização dos Cuidados de Saúde Primários (CSP).
Quando falamos em reorganização, remodelação ou reestruturação dos CSP contamos que as mudanças implementadas conduzam a uma melhoria na prestação de cuidados, nas condições de trabalho e na eficiência dos serviços. Mas então porquê este descontentamento dos utentes e dos profissionais dos CSP?
A insatisfação dos utentes, que já não é de agora, está patente nas manchetes dos jornais, nas peças televisivas, nas redes sociais, nas próprias unidades de saúde. Com mais ou menos razão, compreendemos a insatisfação. Os utentes estão habituados a uma MGF de proximidade, à relação médico-utente única dos CSP. A diminuição do acesso presencial aos CSP, necessária q.b. como medida de saúde pública nesta fase, é difícil de aceitar.
Por seu lado, a insatisfação dos profissionais dos CSP, sejam eles médicos especialistas, médicos internos, enfermeiros, secretários clínicos ou assistentes operacionais, é crescente. Todos estes profissionais precisaram de se adaptar, em tempo recorde, a novas funções, novas equipas, novas formas de consulta e de trabalho, plataforma de Trace COVID, trabalho em Áreas Dedicadas à COVID-19, entre outras tarefas, algumas delas redundantes.
Mas se os CSP estavam no seu limite antes da pandemia, com centenas de utentes sem médico de família atribuído (que atingem os milhares nalgumas regiões do país), com listas de utentes por médico de família que rondam os 1700 a 2000 utentes, com falta de recursos humanos e materiais, como poderão dar resposta a todas as tarefas agora exigidas? Os próprios profissionais estão exaustos, frustrados, pela incapacidade de resposta às centenas de pedidos diários, pela acumulação de tarefas, pela necessidade de retirar tempo de resposta aos utentes para a execução de tarefas redundantes, pelas acusações que veem, leem e ouvem na comunicação social, por quererem fazer mais e melhor pelos utentes e não terem condições para tal.
Em 2017 foi publicado um estudo, pela Direção da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF)1, sobre a dimensão padrão da lista de utentes do médico de família com o objetivo de assegurar e melhorar a qualidade dos cuidados prestados. Um estudo que mostrou preocupação com os diferentes contextos de exercício clínico, com ajustamento à carreira (como no caso dos recém-especialistas), às características das unidades e à carga horária, e que procurou responder às necessidades dos cidadãos.
A dimensão das listas de utentes já estava desadequada para as necessidades dos utentes e agora em contexto de pandemia estas fragilidades são gritantes. A COVID-19 só veio pôr à luz a falta de planeamento e gestão do Serviço Nacional de Saúde (SNS) no que respeita aos CSP. Não é esta a MGF que pretendemos.
É necessário um investimento nos CSP, o pilar do SNS, é necessário um planeamento a curto e longo prazo e isso só será conseguido com mais recursos humanos, com carreiras profissionais bem definidas e atrativas, com valorização da profissão, com investimento na formação, com planeamento adequado do mapa de vagas para colocação de recém-especialistas, com desburocratização das tarefas, com organização dos serviços de acordo com as suas caraterísticas e da população que servem. E para isto, é necessário dar ouvidos a quem está no terreno, a quem passa e vive diariamente com estas dificuldades e com os obstáculos. Para ganhos a longo prazo é necessário pensar também a curto prazo. Sem medos. Sem receios. É necessário agir agora.
A Nova APMGF assume o compromisso de desenvolver estes domínios, com o apoio de inúmeros colegas que já se associaram a este projeto, para que juntos possamos elevar a MGF, melhorar as condições de trabalho dos colegas especialistas e abrir portas a um futuro promissor para os internos e para os jovens médicos de família.
Deixamos assim um apelo a todos os que queiram participar, a APMGF precisa de todos nós. Por uma Nova APMGF!
Bibliografia:
Maricoto, Tiago & APMGF. (2017). Uma Nova Métrica Para a Lista de Utentes. (disponível em: https://www.researchgate.net/publication/319780623_Uma_Nova_Metrica_Para_a_Lista_de_Utentes)
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