PreNoFraturas: Uma Abordagem Inovadora na Prevenção de Fraturas Osteoporóticas em Portugal

29 de Novembro 2024

A Dra. Anabela Barcelos, Diretora do Serviço de Reumatologia da ULS da Região de Aveiro, apresentou o projeto "PreNoFraturas" na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde. Esta iniciativa visa revolucionar a prevenção e tratamento de fraturas osteoporóticas em Portugal, estabelecendo um novo indicador de saúde

As fraturas osteoporóticas representam um desafio significativo para a saúde pública em Portugal. Estas fraturas não só causam dor intensa, mas também resultam frequentemente em hospitalizações prolongadas e incapacidade funcional, afetando drasticamente a qualidade de vida dos pacientes. Um aspeto particularmente preocupante é o elevado risco de ocorrência de uma nova fratura nos dois anos subsequentes à primeira, além do aumento da probabilidade de morte prematura.

Para contextualizar a magnitude deste problema, é importante considerar alguns dados estatísticos. Em 2019, a Europa registou 487 fraturas por hora, enquanto em Portugal ocorreram 7.030 novas fraturas osteoporóticas em indivíduos com idade igual ou superior a 50 anos. Com a inversão da pirâmide etária e o envelhecimento da população, é expectável que estes números aumentem significativamente nos próximos anos.

Apesar da existência de evidência científica robusta que demonstra a eficácia dos tratamentos para a osteoporose na prevenção de fraturas, a realidade é que a maioria dos doentes não segue a medicação prescrita. Isto deve-se a vários fatores, incluindo a natureza assintomática da osteoporose e a má adesão ao tratamento, tanto por parte dos doentes como dos profissionais de saúde. Um estudo recente revelou que, entre mulheres com mais de 65 anos que sofreram uma fratura osteoporótica, apenas 7% faziam tratamento, 14% nunca tinham feito, e 47% nunca tinham recebido prescrição de qualquer tratamento anti-osteoporótico.

Em Portugal, os números são alarmantes: anualmente, ocorrem em média 9.500 fraturas da anca, 4.800 fraturas do punho, 3.500 fraturas vertebrais e 38.000 fraturas noutras localizações. Estes incidentes têm custos diretos extremamente elevados, comparáveis aos custos associados à insuficiência cardíaca na mesma faixa etária. Na União Europeia, incluindo a Suíça e o Reino Unido, Portugal ocupa o décimo lugar em termos de custos mais elevados de fraturas osteoporóticas per capita, representando 5,6% das despesas de saúde, um valor muito superior à média europeia.

O impacto socioeconómico destas fraturas é significativo, não só para a sociedade em geral, mas também para as famílias e para os próprios doentes. Com o aumento da esperança média de vida, torna-se urgente mudar este paradigma. Atualmente, mais de 90% das camas nas enfermarias de ortopedia são ocupadas por pacientes com fraturas osteoporóticas, o que sublinha a necessidade premente de uma abordagem mais proativa e preventiva.

Foi neste contexto que surgiu o projeto “PreNoFraturas”, coordenado pela Dra. Anabela Barcelos. O objetivo principal deste projeto é estabelecer um Serviço de Ligação a Fraturas (FLS – Fracture Liaison Service) com múltiplos propósitos: identificar os doentes que sofreram uma fratura, estabelecer o diagnóstico de osteoporose, identificar causas secundárias para a mesma, iniciar o tratamento dos doentes e promover uma melhor adesão ao tratamento a longo prazo.

As metas estabelecidas pelo projeto são ambiciosas, mas cruciais: reduzir o surgimento de novas fraturas, diminuir a mortalidade associada e aumentar o número de doentes tratados, melhorando assim a adesão ao tratamento. Para alcançar estes objetivos, a equipa do “PreNoFraturas” implementou um protocolo abrangente e multidisciplinar.

O processo inicia-se quando um paciente chega ao hospital com uma fratura da anca. O ortopedista avalia o raio-X e, se as condições forem favoráveis, o doente é submetido a cirurgia imediatamente. Caso contrário, o paciente é internado e operado nas 48 horas seguintes. É neste momento que a equipa do FLS intervém.

Durante o internamento, a equipa do “PreNoFraturas” realiza uma avaliação completa do paciente. Esta avaliação inclui o estabelecimento de um diagnóstico diferencial para excluir outros tipos de fraturas, a recolha de dados sociais do doente e a realização de análises clínicas. Sempre que possível, o tratamento é iniciado ainda durante o internamento.

Três a quatro meses após a alta hospitalar, os pacientes são observados em consulta de seguimento. Nesta consulta, são reforçadas as medidas não farmacológicas já indicadas durante o internamento, a medicação é ajustada conforme necessário, e os casos mais graves de osteoporose continuam a ser acompanhados pelo serviço. Há uma comunicação constante com os médicos de família, que assumem o tratamento dos casos que podem ser geridos nos cuidados de saúde primários.

Um aspeto inovador do projeto é o acompanhamento telefónico realizado pela equipa de enfermagem durante os 12 meses seguintes. Estes contactos têm como objetivo verificar a adesão à terapêutica e identificar eventuais novas fraturas ocorridas no domicílio.

Para avaliar a eficácia do “PreNoFraturas”, a equipa realizou um estudo comparativo entre o período anterior à implementação do serviço e o período posterior. Foram incluídos 551 doentes no estudo, sendo 346 do período pré-implementação e 205 do período pós-implementação.

Os resultados foram promissores, revelando diferenças significativas entre os dois períodos. Observou-se uma redução na ocorrência de fraturas secundárias e na mortalidade, bem como um aumento no número de doentes que iniciaram tratamento. Aproximadamente 76% dos pacientes iniciaram tratamento após a implementação do serviço, um valor que está em linha com os dados encontrados na literatura internacional.

Para garantir a robustez dos resultados, a equipa realizou um ajuste estatístico, considerando fatores como idade, género, grau de dependência, multimorbilidade, fraturas prévias e tratamento anti-osteoporótico prévio. Mesmo após este ajuste, as diferenças mantiveram-se estatisticamente significativas, confirmando o impacto positivo do Serviço de Ligação a Fraturas.

No entanto, em relação à mortalidade, os resultados não foram tão conclusivos. Isto levou a equipa a investigar mais profundamente os fatores preditivos de novas fraturas e mortalidade nestes doentes. Numa análise que incluiu 758 fraturas osteoporóticas, foram identificados como fatores independentes preditores de mortalidade pós-fratura aos 2 anos: idade avançada, género, presença de malignidade e multimorbilidade.

Estes resultados levaram à conclusão de que a vigilância dos doentes com fraturas osteoporóticas deve estender-se além do primeiro ano após a fratura, com especial atenção aos fatores independentes preditores de mortalidade. Embora não seja possível modificar fatores como idade e género, é possível e necessário intervir no controlo e gestão das doenças crónicas não transmissíveis.

Refletindo sobre as metas inicialmente estabelecidas, o projeto “PreNoFraturas” conseguiu reduzir o surgimento de novas fraturas, aumentar o número de doentes tratados e, consequentemente, reduzir a utilização e os custos associados aos cuidados de saúde hospitalares. Quanto à redução da mortalidade, a equipa espera que, com mais tempo de implementação do serviço, seja possível demonstrar também melhorias neste aspeto.

O impacto do projeto estende-se além dos resultados clínicos diretos. Houve um aumento significativo da consciencialização sobre o problema da osteoporose nos cuidados de saúde primários. A equipa tem recebido cada vez mais referenciações de casos graves, demonstrando uma maior atenção e preocupação com esta condição por parte dos profissionais de saúde.

Além disso, o projeto está a contribuir para o avanço da investigação na área. A equipa está atualmente a validar um questionário de qualidade de vida, que foi recentemente apresentado no Congresso Português de Reumatologia e cuja publicação está prevista para breve.

Olhando para o futuro, a Dra. Anabela Barcelos e sua equipa têm planos ambiciosos para expandir e melhorar o projeto. Um dos objetivos é integrar a inteligência artificial como uma ferramenta de apoio ao diagnóstico e tratamento. Além disso, está previsto o início de um programa de reabilitação de enfermagem, focado principalmente em indivíduos com fraturas vertebrais.

Outro aspeto que a equipa gostaria de implementar é a inclusão de um geriatra na equipa multidisciplinar. Esta adição permitiria melhorar o acompanhamento dos doentes idosos, especialmente durante o período pós-operatório, contribuindo para uma recuperação mais rápida e eficaz.

O projeto “PreNoFraturas” representa uma mudança de paradigma na abordagem às fraturas osteoporóticas em Portugal. A Dra. Anabela Barcelos defende que a existência de Serviços de Ligação a Fraturas deveria ser considerada um novo indicador de saúde a nível nacional. A implementação generalizada destes serviços tem o potencial de reduzir significativamente o número de novas fraturas, diminuir as visitas ao serviço de urgência, reduzir o número de internamentos e, consequentemente, diminuir os custos para o Serviço Nacional de Saúde.

A osteoporose e as fraturas associadas são um problema de saúde pública que tende a agravar-se com o envelhecimento da população. O projeto “PreNoFraturas” demonstra que uma abordagem proativa, multidisciplinar e centrada no doente pode fazer uma diferença significativa na vida dos doentes e na eficiência do sistema de saúde.

A iniciativa da Dra. Anabela Barcelos e sua equipa não só melhora os cuidados prestados aos pacientes com fraturas osteoporóticas, mas também estabelece um modelo que pode ser replicado em outras unidades de saúde em todo o país. Ao focar na prevenção, no diagnóstico precoce e no acompanhamento contínuo, o projeto está a criar um impacto duradouro na saúde óssea da população portuguesa.

O reconhecimento deste projeto na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde, no âmbito do 10º Congresso Internacional dos Hospitais, é um testemunho da sua importância e potencial. É um exemplo claro de como a inovação e a dedicação na área da saúde podem levar a melhorias tangíveis na qualidade de vida dos doentes e na eficiência dos sistemas de saúde.

À medida que o projeto continua a evoluir e a expandir-se, espera-se que possa servir de inspiração e modelo para outras iniciativas semelhantes em Portugal e além-fronteiras. A abordagem holística e integrada do “PreNoFraturas” tem o potencial de transformar a forma como a osteoporose e as fraturas associadas são geridas, não apenas a nível local, mas potencialmente a nível nacional.

Em conclusão, o projeto “PreNoFraturas”, liderado pela Dra. Anabela Barcelos, representa um avanço significativo na prevenção e gestão de fraturas osteoporóticas em Portugal. Ao combinar cuidados médicos de alta qualidade com um acompanhamento contínuo e personalizado, o projeto está a estabelecer novos padrões de cuidados para doentes com osteoporose. O seu sucesso não só melhora a vida dos doentes individuais, mas também promete ter um impacto positivo substancial no sistema de saúde português como um todo, reduzindo custos e melhorando a eficiência dos cuidados prestados. À medida que o projeto continua a evoluir e a expandir-se, ele permanece como um exemplo inspirador de inovação e excelência na prática médica, apontando o caminho para um futuro onde as fraturas osteoporóticas possam ser prevenidas e geridas de forma mais eficaz, melhorando assim a qualidade de vida de milhares de portugueses.

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