Luís Filipe Barreira, Bastonário da Ordem dos Enfermeiros

O papel essencial dos enfermeiros nos setores privado e social

01/30/2025

O sistema de saúde português é sustentado por um equilíbrio entre diversos setores que, em conjunto, respondem às necessidades de saúde do país. Para além do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que é o pilar central e a referência, os setores privado e social também desempenham papéis essenciais. Ambos oferecem uma resposta complementar, aliviando a pressão sobre o SNS, garantindo alternativas de acesso a cuidados de saúde e, por vezes, especialmente no caso do social, tendo como destinatárias populações mais vulneráveis. Contudo, é essencial reconhecer que esta missão só é possível graças ao empenho e à competência dos enfermeiros, profissionais indispensáveis na prestação de cuidados.

Apesar disso, os debates sobre os problemas da enfermagem em Portugal concentram-se quase exclusivamente no SNS, deixando os enfermeiros do setor privado e do social numa posição de marginalização. O que fomenta desigualdades, ignora as dificuldades específicas que estes profissionais enfrentam, prejudica o desempenho das instituições e compromete a eficácia global do sistema de saúde.

Nos setores privado e social, os enfermeiros também desempenham funções fundamentais, assegurando cuidados de elevada qualidade e promovendo o bem-estar dos utentes em contextos variados, como hospitais, clínicas, ERPI, centros de dia e serviços de apoio domiciliário. Contudo, enfrentam desafios que vão desde remunerações inferiores às do SNS até vínculos contratuais precários e cargas horárias desadequadas. Estas condições afetam não só a motivação dos profissionais, mas também a continuidade e a qualidade dos cuidados, com impacto direto na eficiência dos serviços de saúde que prestam.

Embora as diferenças entre estes setores sejam inegáveis, há desafios transversais que afetam todos os enfermeiros, independentemente do local onde trabalham. Problemas como a falta de oportunidades de progressão na carreira, a precariedade laboral e as condições de trabalho inadequadas comprometem a dignidade e o reconhecimento da profissão.

É fundamental que as entidades empregadoras nos setores privado e social assumam um papel mais ativo na valorização dos enfermeiros. Práticas salariais justas, contratos estáveis e a promoção de ambientes de trabalho saudáveis não são apenas uma questão de justiça laboral, mas uma necessidade estratégica para garantir a sustentabilidade das instituições e um exercício profissional digno. Empregadores que investem nos seus profissionais conseguem atrair e reter talentos, aumentar a eficiência dos serviços e reforçar a confiança dos utentes.

Além disso, tanto o setor privado quanto o social desempenham um papel decisivo no alívio da pressão sobre o SNS e no aumento do acesso a cuidados de saúde. Um setor privado forte e instituições sociais bem estruturadas, permitem criar um ambiente competitivo e saudável, que estimula a inovação, a melhoria contínua dos cuidados e o alargamento das opções disponíveis.

Para alcançar estas metas, é necessário promover um diálogo mais ativo entre empregadores, Governo e representantes dos enfermeiros. A partilha de boas práticas, a colaboração e a criação de sinergias entre os setores público, privado e social são essenciais para construir um sistema de saúde mais coeso.

A Ordem dos Enfermeiros, enquanto entidade reguladora, assume o compromisso de defender os interesses dos enfermeiros de todos os setores, alertando para a necessidade de condições dignas e valorização adequada para o exercício profissional. E é, por isso, que definiu como estratégia de atuação dedicar uma atenção especial aos setores privado e social, sem esquecer, naturalmente, o SNS, o restante setor público, o setor militar e, em geral, todos os outros contextos específicos em que atuam enfermeiros. Este compromisso inclui incentivar políticas que melhorem as condições do exercício profissional e promover ações concretas que reforcem o papel central dos enfermeiros em todo o sistema de saúde.

É hora de reconhecer que a valorização dos enfermeiros, independentemente do setor onde atuam, é um investimento no futuro da saúde em Portugal. Apenas com profissionais motivados, respeitados e apoiados será possível garantir um sistema de saúde mais justo e eficiente para todos.

 

 

3 Comments

  1. Adelaide Faria

    De facto a diferença salarial e a valorização do nosso papel (nomeadamente enfermeiros das ERPI) são algumas dos motivos para o abandono destas estruturas. Há também muito pouco ou nenhuma articulação entre as ERPI e o SNS. No meu caso em particular reconheço que muitas vezes estamos a desperdiçar os recursos humanos de enfermagem das ERPI e para tarefas simples deslocamos 2 colegas do centro de saúde para, por exemplo, administrar a vacina do tétano a um utente institucionalizado. Enfim, a falta de articulação e confiança nos enfermeiros das ERPI é evidente. Evidente é também o acesso à divulgação e promoção da formação em serviço. Deveríamos ter acesso à formação de serviço dos centros de saúde para que houvesse uma atualização de conhecimentos e colaboração com os mesmos, aliviando o serviço dos colegas dos centros de saúde.

  2. Antonieta Sequeira

    A nossa profissão é de risco e desgaste rápido, por isso bjs que trabalhar para que a reforma seja mais cedo ou aos 40 de serviço. Toca a trabalhar nesta questão que penso ser o mais prementete nesta altura do campeonato.

  3. Marta Dias

    Tenho 17 anos de profissão. Trabalhei os meus primeiros 8 anos numa IPSS e tenho avaliações de desempenho em formato papel, uma vez que na altura não havia a aplicação do SIADAP.
    Mudei para o setor público e ainda hoje continuo sem a contagem dos pontos iniciais, o que faz com que a minha remuneração ainda se mantenha na posição 15, agora 18. Isto para não falar que sou especialista e que não ganho como tal no meu hospital!
    Era fundamental rever a questão da contagem de pontos do sector privado e que os mesmos fossem contabilizados pois não deixei de exercer enfermagem nem tão pouco deixei de prestar cuidados de excelência!

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Ana Santos Almeida: ‘avançar na promoção da saúde da mulher

Em entrevista exclusiva ao Healthnews, a Professora Ana Santos Almeida revela como o projeto AGEWISE revoluciona a compreensão da menopausa, explorando a interação entre o microbioma intestinal e as hormonas sexuais. Com o uso de Inteligência Artificial, o projeto promove intervenções personalizadas para melhorar a saúde das mulheres durante o envelhecimento.

Confiança: o pilar da gestão de crises na Noruega

A confiança foi essencial na gestão da pandemia pela Noruega, segundo o professor Øyvind Ihlen. Estratégias como transparência, comunicação bidirecional e apelo à responsabilidade coletiva podem ser aplicadas em crises futuras, mas enfrentam desafios como polarização política e ceticismo.

Cortes de Ajuda Externa Aumentam Risco de Surto de Mpox em África

O corte drástico na ajuda externa ameaça provocar um surto massivo de mpox em África e além-fronteiras. Com sistemas de testagem fragilizados, menos de 25% dos casos suspeitos são confirmados, expondo milhões ao risco enquanto especialistas alertam para a necessidade urgente de políticas nacionais robustas.

Audição e Visão Saudáveis: Chave para o Envelhecimento Cognitivo

Um estudo da Universidade de Örebro revela que boa audição e visão podem melhorar as funções cognitivas em idosos, promovendo independência e qualidade de vida. Intervenções como aparelhos auditivos e cirurgias oculares podem retardar o declínio cognitivo associado ao envelhecimento.

Défice de Vitamina K Ligado a Declínio Cognitivo

Um estudo da Universidade Tufts revela que a deficiência de vitamina K pode intensificar a inflamação cerebral e reduzir a neurogénese no hipocampo, contribuindo para o declínio cognitivo com o envelhecimento. A investigação reforça a importância de uma dieta rica em vegetais verdes.

Regresso de cirurgiões garante estabilidade no hospital Fernando Fonseca

O Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Fernando Fonseca entra num novo ciclo de estabilidade com o regresso de quatro cirurgiões experientes, incluindo o antigo diretor. A medida, apoiada pelo Ministério da Saúde, visa responder às necessidades de 600 mil utentes.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights