Mas afinal, o que é hipertensão pulmonar tromboembólica crónica, e no que consiste uma tromboembolia pulmonar? O Prof. Rui Baptista é um dos professores e coordenador científico do e-learning “Siga a Doença Vascular Pulmonar”, que é exclusivamente dedicado a profissionais de saúde das várias áreas. Inteiramente online, com um plano curricular vasto e com elementos gráficos feitos à medida, este e-learning cobre desde o diagnóstico à terapêutica para várias condições pulmonares, e é uma mais valia para enfermeiros e médicos internistas, cardiologistas, pneumologistas, de medicina nuclear, e até alguns médicos imagiologistas.
HealthNews (HN) – Começando pelo e-learning, explique-nos o que é o e-learning “Siga a Doença Vascular Pulmonar”?
Rui Baptista (RB) – Este projeto foi desenvolvido pela Academia Cardiovascular da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, em parceria com a MSD. No fundo, é um curso, composto por cinco módulos, onde vamos revisitar todos os aspetos relativos à doença vascular pulmonar de causa tromboembólica. Vamos ter módulos sobre a doença tromboembólica aguda, onde contamos com o Dr. Daniel Ferreira e o Dr. João Pacheco Pereira, nomes bem conhecidos na cardiologia e na medicina interna, que se têm dedicado há muitos anos a esta área da doença tromboembólica. Ao longo de duas sessões, eles revisitarão todos os temas associados ao tromboembolismo pulmonar (TEP): diagnóstico; abordagem aguda e seguimento crónico dos doentes. Temas estes que se vão ligar, depois, com os outros módulos do curso. Até porque, a maioria dos doentes que desenvolvem hipertensão pulmonar tromboembólica crónica (CTEPH) tiveram um evento de tromboembolismo agudo, mesmo que não se lembrem.
Depois, continuamos o nosso curso com aulas sobre a epidemiologia e a história natural da doença e, ainda, a fisiopatologia da hipertensão tromboembólica crónica, que serão lecionadas por mim e pela Dra. Tatiana Guimarães, do Centro Hospitalar Lisboa Norte. O terceiro módulo é sobre o diagnóstico da CTEPH e aqui vamos falar sobre as técnicas de diagnóstico mais utilizadas para estabelecer o diagnóstico final. Este módulo será dado pelo Prof. Mário Santos, do Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP), e pela Dra. Filipa Ferreira, que trabalha no Hospital Garcia de Orta. Num quarto módulo passamos à abordagem terapêutica e aí teremos dois cardiologistas a falar, a Dra. Graça Castro, que é a coordenadora da Unidade Vascular Pulmonar, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, e o Dr. André Luz, que é cardiologista de intervenção no CHUP, onde realiza intervenções na artéria pulmonar, nomeadamente a angioplastia pulmonar com balão, e que poderá partilhar a sua experiência pessoal. Aqui falaremos de tratamento cirúrgico, tratamento médico e tratamento percutâneo. Finalmente, no último módulo, vamos discutir casos clínicos com a Dra. Maria José Loureiro e com o Dr. Rui Plácido.
HN – Já percebi que se trata de um plano curricular bastante extenso e a fundo. Este curso é direcionado a quem?
RB – Este curso tem algumas particularidades que o diferenciam. Trata-se de um tema que, em Portugal, tem pouco conteúdo pedagógico disponível. Embora seja algo comum, nomeadamente a TEP, uma vez que todos os médicos têm contacto com este tipo de condição clínica, verificamos que, depois, o manejo quer do doente, quer da doença é complexo e específico. Além disso, este e-Learning está construído de forma a ser graficamente muito atraente. É completamente diferente de um webinar normal. Houve um trabalho gigantesco da parte de uma empresa de design para tornar o webinar o mais agradável possível aos olhos e, dessa forma, tornar-se cativante para a aprendizagem. Finalmente, acaba por tornar-se interessante no sentido em que se oferece um curso completo, que tem perguntas, tem momentos de avaliação e tem toda esta entrega ao longo dos vários módulos.
Quem é o público-alvo? Na realidade, a doença tromboembólica é extraordinariamente transversal aos vários campos da medicina e este é um curso que será, seguramente, interessante para médicos internistas, médicos cardiologistas, médicos pneumologistas, médicos de medicina nuclear, todos aqueles que trabalham num serviço de urgência e até alguns médicos imagiologistas. Acaba por ser um curso interessante para um leque alargado de especialidades.
Relativamente à medicina geral e familiar, julgo que o curso pode ter particular interesse, sobretudo, devido aos módulos que são dedicados ao diagnóstico da CTEPH.
HN – Passemos então ao campo da Doença Vascular Pulmonar. Existem duas modalidades de doença vascular pulmonar, a hipertensão pulmonar tromboembólica crónica, e a embolia pulmonar. No que é que consistem, quais as causas e no que é que se diferenciam estas duas modalidades da doença?
RB – Quando falamos de doença vascular pulmonar estamos a falar de uma doença que afeta especificamente as artérias do pulmão e esta doença vascular pulmonar pode ter inúmeras causas. Habitualmente, dividimo-las em cinco grupos e dentro destes podemos encontrar inúmeras causas.
Em alguns casos, o que pode acontecer é que esta doença das artérias dos pulmões pode ter origem em coágulos que obstruem as artérias do pulmão e comprometem o fluxo de sangue através dos pulmões. Na forma mais frequente, o que acontece é soltar-se um coágulo dos membros inferiores, ou da zona pélvica, e este coágulo navega pelo sistema venoso até ao sistema pulmonar, onde acaba por obliterar parte da circulação pulmonar e isto acontece, habitualmente, de forma aguda. Quando acontece de forma aguda, chamamos a isto uma Tromboembolia Pulmonar Aguda.
No entanto, e mesmo com tratamento fibrinolítico ou anticoagulante, alguns doentes têm dificuldade em desagregar estes trombos que se formam na circulação pulmonar. Portanto, estes doentes deixam de ter uma situação aguda e passam a ter uma situação crónica de obliteração pulmonar. Ora, isto leva a que os doentes desenvolvam insuficiência cardíaca, porque o ventrículo direito do coração tem dificuldade em ejetar o sangue.
Portanto, há uma manifestação aguda que em alguns casos, felizmente menos de 2 a 4% pode depois tornar-se numa situação crónica que chamamos CTEPH quando se acompanha de um aumento da pressão na circulação pulmonar.
HN – E quem são as pessoas mais permeáveis a esta condição?
RB – A tromboembolia pulmonar tem fatores de risco bem conhecidos e esses fatores de risco têm todos que ver com uma de três situações: um estado protrómbótico, a presença de lesão endotelial e quando há estase vascular.
Portanto, as situações onde a chamada Tríade de Virchow surge são as situações propícias ao desenvolvimento da tromboembolia pulmonar aguda. Quais são essas situações? Quando o doente está acamado e por algum motivo (seja uma fratura, uma doença médica ou quando está exposto a um fator pró-coagulante hereditário ou adquirido) se alteram as propriedades de coagulação do sangue no sentido de as aumentar. Ou, por exemplo, a obesidade. Todos estes fatores acabam por promover um daqueles três componentes da Tríade de Virchow.
Alguns destes doentes que acabam por desenvolver Tromboembolia Pulmonar Aguda têm outros fatores que vão promover a manutenção de coágulos na circulação pulmonar. E que fatores são esses? Por exemplo, a presença de doenças inflamatórias crónicas, a presença de material estranho na circulação, como elétrodos de pacemaker infetados, neoplasias. Tudo isto favorece a manutenção dos trombos, que numa situação normal seriam desagregados.
HN – Uma das fontes que consultei referia também que as mulheres sofreriam mais desta condição do que os homens. É verdade? Isto acontece porquê?
RB – É verdade. As mulheres têm maior risco de tromboembolismo pulmonar agudo, particularmente antes dos 55 anos, porque são mais comuns nas mulheres fatores de risco que levam à condição. Sejam eles, por exemplo, a gravidez ou também os estrogénios. Por isso é que nas mulheres encontramos um risco superior. Isto dá-se, essencialmente, numa idade mais precoce.
HN – E também não existe cura para a CTEPH.
RB – Na verdade, não podemos dizer isso. Um doente que tenha uma embolia pulmonar aguda, e dependendo do seu fator de risco, pode ficar completamente curado depois de ser tratado. Curado significa que não tem de tomar medicação para o resto da vida e que a situação fica resolvida. Portanto, imagine que um individuo vai esquiar, faz uma fratura no perónio, fica imobilizado e nesse contexto faz uma embolia pulmonar. Esse doente acaba por fazer três meses de anti coagulação oral e, ao fim de três meses, estará recuperado, quer da fratura, quer dos coágulos, que entretanto se dissolveram com o anticoagulante oral. Neste caso, não é provável que volte a ter uma nova embolia pulmonar fazendo uma vida normal. Portanto, ele fica curado.
Na CTEPH, quando os trombos se tornam crónicos, provavelmente, metade destes doentes podem ser operados aos pulmões. Fazem uma cirurgia muito complexa chamada endarterectomia pulmonar, onde são removidos estes trombos da circulação pulmonar. Quando esta operação tem sucesso, o doente pode esperar uma cura fisiopatológica e sintomática. Portanto, na realidade esta é das poucas formas de hipertensão pulmonar em que podemos dizer que há mesmo uma cura.
HN – Segundo percebi, o campo do diagnóstico é onde existe mais trabalho pela frente. Quais são os desafios de diagnosticar atempadamente uma condição como esta?
RB – O problema destas doenças raras é que acabam sempre por vir no final dos nossos esquemas de diagnóstico. E, portanto, a realidade é que o diagnóstico da CTEPH acaba por radicar, essencialmente, em três grandes fatores. Primeiro, temos que valorizar as queixas de cansaço e fadiga que surgem após um episódio de embolia pulmonar aguda. Ou seja, o doente deve melhorar e ser capaz de voltar à sua capacidade de exercício prévia à embolia pulmonar, se isso não acontecer, deve-se levantar um alerta de que pode haver alguma coisa errada.
Depois, há dois exames importantes: o eletrocardiograma e o ecocardiograma. Ao pedir-se um ecocardiograma é importante escrever na informação clínica do doente que este teve uma embolia pulmonar, ou que pode haver a suspeita de CTEPH, para aumentar a probabilidade de se identificarem as alterações típicas neste tipo de doente.
Em terceiro lugar, mesmo que o ecocardiograma seja normal – ou se for realmente discordante com a sensação clínica de fadiga – faz sentido tentarmos demonstrar objetivamente que o nosso doente se cansa. A realização de uma prova de esforço ou do teste de marcha dos seis minutos pode ajudar a demonstrar que está a escapar alguma coisa. Porque, se o doente vai a uma prova de esforço e não faz mais de três ou quatro minutos é porque alguma coisa não está bem e temos que o referenciar para uma consulta hospitalar, para que seja feito um estudo mais profundo.
O exame definitivo para este tipo de situação é a cintigrafia de ventilação/perfusão, que é um exame de medicina nuclear que vai demonstrar a oclusão das artérias pulmonares por material trombótico.
HN – Em relação às terapias, falou-me há pouco da cirurgia como uma opção para certos doentes. E quais são as outras opções?
RB – Na hipertensão pulmonar tromboembólica crónica temos três grandes grupos terapêuticos. Temos a terapêutica médica, a terapêutica cirúrgica e a terapêutica percutânea.
Na terapêutica médica existem três grandes vetores. Existe o vetor da anti coagulação, que é fundamental em todos os doentes. Antigamente, fazíamos sempre esta anti coagulação com varfarina, hoje em dia vamos utilizando os novos anticoagulantes no caso da CTEPH, se bem que a evidência não é muito forte.
Depois, temos a terapêutica vasodilatadora pulmonar. Se temos algumas artérias pulmonares obstruídas o sangue tem que ir para outras artérias que não o estejam. E esta passagem muito intensa de sangue pelas artérias não ocluídas vai fazer com que, em resposta a este fluxo, as artérias sofram fenómenos de vasoconstrição e de vasobliteração. É nestas artérias que os vasodilatadores pulmonares, e nomeadamente um deles que é o riociguat, vão atuar. Este tipo de fármacos melhora a capacidade funcional dos doentes e as variáveis hemodinâmicas.
Finalmente, temos uma terceira linha terapêutica, a que chamamos a terapêutica convencional. Se os doentes desenvolvem insuficiência cardíaca direita, portanto desenvolvem edemas, ascite ou hepatomegalia e têm que ser tratados com terapêutica de insuficiência cardíaca direita, que habitualmente inclui diuréticos e, às vezes, digoxina.
Relativamente à terapêutica cirúrgica, como disse, alguns destes doentes são candidatos à cirurgia de endarterectomia pulmonar, uma cirurgia complexa que, até há poucos anos atrás, nem se fazia no nosso país – os doentes tinham de ser enviados para o estrangeiro. Neste momento, o Hospital de Santa Marta, em Lisboa, já se encontra a trabalhar nesta cirurgia e têm sido operados doentes em Portugal com bons resultados.
Depois, temos também a terapêutica percutânea, para doentes que não podem ser operados, ou que mantêm algum grau de hipertensão pulmonar pós cirurgia. Da mesma forma que vamos às artérias coronárias e as dilatamos, nós podemos ir às artérias pulmonares dos nossos doentes e, nos sítios onde existem apertos com trombos, vamos lá com um balão e dilatamos. Tudo isto é falado no curso.
Entrevista de João Marques
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