Ilustradores científicos criticam falta de rigor e erros da inteligência artificial

30 de Março 2025

A inteligência artificial (IA) está ainda longe de ser uma ameaça para o trabalho de ilustração científica, defende quem o faz, devido à falta de rigor e erros nas ilustrações geradas pela nova tecnologia.

“Não só falta à IA a capacidade de transformar um conceito de forma didática e rigorosa, criando ilustrações verdadeiramente novas, como não o consegue ainda fazer com qualquer nível de rigor científico”, sustentou à Lusa Carolina Correia, ilustradora científica e gravadora na área da botânica.

Segundo Carolina Correia, 26 anos, “a inteligência artificial é ainda muito imperfeita e não consegue, de todo, competir com um ilustrador que percebe a ciência e que representa as coisas com rigor”.

A jovem assinalou que as imagens geradas por ferramentas de IA “não têm por base a realidade e estão cheias de erros”, salientando a importância de garantir que “as ilustrações estão a ser produzidas por ilustradores competentes, com conhecimento e ética de trabalho, que assegurem a qualidade do trabalho e a difusão de conhecimento científico correto”.

Formada em Desenho, Carolina Correia enfatizou que um ilustrador científico é “alguém curioso, que, além de olhar para o que o rodeia, vê, observa, identifica padrões, estuda comportamentos, nota detalhes e subtilezas e cultiva a sua sensibilidade pelo mundo natural”.

Para o biólogo marinho Miguel Martins, a ilustração científica “é ética” e as imagens geradas por IA “são roubo”.

“As diferenças estão no rigor científico que um ilustrador tem, na capacidade do ilustrador de escolher os aspetos que quer na imagem sem estar necessariamente condicionado apenas a um certo número de imagens, mas no seu conhecimento geral de desenho, e no facto de o ilustrador não ter que se apropriar sem consentimento de imagens de outros para fazer uma colagem sem controlo”, justificou o ilustrador de baleias e golfinhos.

De acordo com o cientista, os modelos de IA “só vão conseguir gerar imagens semelhantes a ilustrações científicas se tiverem sido treinados com ilustrações científicas” e “provavelmente vão replicar erros ou padrões que todos os ilustradores fazem”.

“Mas como não sabem o que é correto, nunca o vão poder corrigir”, advertiu o jovem, 23 anos, destacando que “muitas vezes há aberrações inexplicáveis na imagem [produzida por IA]”, como “golfinhos com mais barbatanas do que deviam”.

Cristina Espírito Santo, 44 anos, também bióloga marinha, entende que a IA criou “alguma entropia” na “falta de reconhecimento” da ilustração científica, que “pode ‘concorrer’ sempre com as tecnologias na sua originalidade de representação do olhar crítico, conhecedor e representativo de um autor reconhecido”.

“Mas considero que o público que está realmente interessado, e que culturalmente percebe a diferença, vai continuar a apreciar muito mais um trabalho que seja feito com direitos de autor do que algo que seja criado artificialmente”, advogou a investigadora do Laboratório de Ciências do Mar da Universidade de Évora, que se orgulha de ter ilustrado quatro espécies de percebes para um artigo científico.

À pergunta se o futuro da ilustração científica está ameaçado com a emergência de novas tecnologias como a IA, Luísa Crisóstomo, 31 anos, responde que “por enquanto, não”.

“A ilustração científica é um ramo especializado e complexo, que depende do rigor científico, da observação e da experiência técnica do ilustrador, e é algo que, tanto quanto sei, a inteligência artificial ainda não consegue replicar eficazmente”, explicou à Lusa a ilustradora de aves, insetos, cogumelos e plantas, admitindo, no entanto, que “é provável” que a IA “se torne uma ferramenta de apoio para o trabalho dos ilustradores científicos antes de substituir totalmente a sua atividade”.

Luísa Crisóstomo realçou, ainda, que “as imagens geradas por computador, embora em constante desenvolvimento, ainda não conseguem gerar o rigor necessário numa ilustração de caráter científico”.

lusa/HN

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