O estudo, designado Painel Serológico Longitudinal Covid-19, analisou a presença de anticorpos para o SARS-CoV-2 em colheitas de sangue feitas entre 01 e 17 de março, em Portugal continental e ilhas, com uma amostra representativa da população portuguesa.
A amostra é constituída por 2.172 pessoas de várias idades e regiões, incluindo 156 que foram vacinadas maioritariamente até ao fim de fevereiro e 264 que tinham revelado anticorpos contra o novo coronavírus num estudo serológico anterior, de setembro e outubro de 2020, conduzido pela mesma equipa.
Em declarações à Lusa, o coordenador de ambos os estudos, Bruno Silva-Santos, investigador e vice-diretor do Instituto de Medicina Molecular (IMM) João Lobo Antunes, em Lisboa, disse que os dados indicam que “a vacinação é a única via em tempo útil para se atingir a imunidade de grupo”, essencial para um regresso à normalidade.
“Sem a vacinação, é um processo demasiado lento”, frisou o imunologista, assinalando que apenas 13% da população terá atingido a imunidade por “via natural” passado um ano sobre a pandemia e após dois confinamentos generalizados no país, um primeiro entre março e abril de 2020 e um segundo entre janeiro e o início de abril de 2021.
Confirmando os prazos apontados pelo Governo, Bruno Silva-Santos admitiu que, se o plano nacional de vacinação decorrer sem mais perturbações, reunindo “doses disponíveis” e uma “adesão normal das pessoas”, a imunidade de grupo poderá ser alcançada em Portugal em setembro, com 75% da população protegida contra a Covid-19.
Citando estatísticas oficiais de 02 de abril sobre o número de pessoas infetadas e vacinadas com pelo menos uma dose, o estudo estima em 27% a taxa de imunidade à Covid-19 para a população em Portugal.
Neste contexto, o investigador do IMM reiterou a importância da vacinação, sublinhando que a imunidade contra o novo coronavírus, adquirida pela presença de anticorpos neutralizantes no sangue, aumentou 10% “num mês de vacinação”, e num quadro de “escassez de vacinas”.
Bruno Silva-Santos realçou, em contrapartida, que, de acordo com as estimativas calculadas com base na amostra do Painel Serológico Longitudinal, essa imunidade foi alcançada “ao fim de quase um ano inteiro sem vacinação” por apenas 13% da população.
“Isto refuta a tese anterior de que a imunidade de grupo poderia ser atingida por via natural. A chave é a vacinação”, vincou.
Tendo como ponto de partida a estimativa da população portuguesa, os resultados obtidos no estudo “permitem estimar em cerca de 1 milhão e 750 mil” pessoas “a população residente que teria anticorpos contra o vírus SARS-CoV-2 nos primeiros dias de março”, sendo que “cerca de 400 mil terão adquirido os anticorpos através da vacina e 1 milhão e 350 mil por infeção natural”.
Segundo o imunologista do IMM, o novo estudo sugere que “a circulação de anticorpos” específicos para o SARS-CoV-2 se mantém de “forma robusta” até um ano nas pessoas que estiveram infetadas, sendo expectável que uma vacina confira proteção por igual período de tempo, ou até mais (se se considerar que os níveis de anticorpos nas pessoas vacinadas são mais elevados).
“Os anticorpos são a primeira grande barreira contra a infeção ao neutralizarem o vírus nas células”, sublinhou Bruno Silva-Santos, assinalando que a segunda dose de uma vacina “maximiza a resposta imunitária”.
Entre os 264 participantes que revelaram anticorpos contra o SARS-CoV-2 (após a infeção) no estudo serológico anterior, de setembro, 94% “não perderam esses anticorpos” passados seis meses, de acordo com o novo estudo, adiantou o imunologista.
“Os níveis têm valores muito semelhantes aos verificados há seis meses”, acentua o novo estudo, acrescentando que, nas pessoas vacinadas, o nível de anticorpos detetados “é elevado”, com “os valores observados” a serem comparáveis aos “que se observam no pico da infeção natural por SARS-CoV-2”.
O Painel Serológico Longitudinal Covid-19 apresenta-se como um “retrato da segunda e terceira vagas da covid-19” em Portugal através da “proporção da população que, mediante avaliação serológica, desenvolveu anticorpos específicos contra o vírus SARS-CoV-2”.
“Dado que a produção de anticorpos aumenta a partir do momento da infeção e podem ser necessárias duas semanas para os detetar numa amostra de sangue através de um teste serológico, os resultados referem-se a pessoas que terão sido infetadas (ou vacinadas) até meados de fevereiro de 2021”, ressalva o documento que descreve os resultados.
O estudo resulta de uma parceria entre o Instituto de Medicina Molecular, que coordena o trabalho científico, a Sociedade Francisco Manuel dos Santos e o grupo Jerónimo Martins, que financia.
A amostra foi “selecionada aleatoriamente” para haver “uma distribuição análoga à do país” em termos de densidade populacional, grupo etário, sexo, agregado familiar e nível de escolaridade, sendo que a percentagem de participantes vacinados (7%) “está em linha com a percentagem nacional de vacinação no início do estudo”.
Cada participante do painel respondeu a um inquérito epidemiológico, que incluiu perguntas demográficas, profissionais, sobre o agregado familiar, saúde geral, exposição potencial ao SARS-CoV-2, sintomas e possível doença. As recolhas de sangue foram feitas em 314 postos de colheita, de norte a sul de Portugal continental, Madeira e Açores.
Para a caracterização da amostra, desenhada em colaboração com a Pordata, base de dados gerida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, foram considerados três grupos etários (menos de 18 anos, entre os 18 e os 54 anos e 55 ou mais anos) e a densidade populacional da região de residência (baixa ou média e elevada).
De acordo com o estudo, 15% dos menores de 18 anos terão desenvolvido naturalmente anticorpos contra o SARS-CoV-2, contra 14% dos adultos entre os 18 e os 54 anos e 11% dos maiores de 55 anos. Nas duas últimas faixas etárias, a percentagem sobe, respetivamente, para 21% e 14% tendo em conta também as pessoas vacinadas.
A percentagem estimada da população imune (só através da infeção natural ou incluída a vacinação) é proporcional à densidade populacional, sendo ligeiramente maior (entre 14% e 18%) em áreas de densidade alta (mais de 500 habitantes por quilómetro quadrado).
Nas regiões de baixa ou média densidade populacional (menos de 60 a 500 habitantes por quilómetro quadrado), a percentagem varia entre 12% e 17%.
A pandemia da Covid-19 provocou, pelo menos, 2.974.651 mortos no mundo, resultantes de mais de 138,2 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência noticiosa francesa AFP.
Em Portugal, morreram 16.933 pessoas dos 829.358 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde. A pandemia chegou ao país em 02 de março de 2020 e a campanha de vacinação iniciou-se em 27 de dezembro do mesmo ano.
A Covid-19 é uma doença respiratória transmitida por um novo coronavírus (tipo de vírus) detetado no final de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China, e que se disseminou rapidamente pelo mundo.
LUSA/HN
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