O programa de vacinação começou há quase quatro meses, é gratuito, os residentes podem escolher entre duas vacinas, não faltam doses disponíveis, contudo, os resultados têm sido muito pouco animadores e até o Governo já admitiu que Macau pode ficar numa “situação embaraçosa”: apenas cerca de 10% da população recebeu as duas doses.
Há mais de um ano, a situação era a oposta: Macau, um dos primeiros locais a registar os primeiros casos, foi considerado um caso de sucesso no mundo, controlou as fronteiras, rastreou os casos suspeitos, impôs pesadas quarentenas obrigatórias a todos os que regressavam, disponibilizou máscaras a toda a população a um preço unitário a menos de 10 cêntimos e o seu uso era, e continua a ser, quase generalizado.
Essa receita mostrou-se um sucesso já que Macau detetou apenas 51 casos desde o início da pandemia, não registou qualquer surto local ou infetados entre os profissionais de saúde.
“A falsa segurança não deriva apenas do facto de não haver infeção comunitária em Macau, mas também do facto de haver uma taxa de infeção relativamente baixa na China continental desde que o Governo assumiu o controlo da situação no ano passado”, explicou à Lusa a antropóloga e investigadora na área da saúde Loretta Lou.
“O povo de Macau obedece ao uso de máscaras e ao distanciamento social porque estas medidas repercutem-se nos seus conhecimentos leigos sobre higiene pública e na sua experiência anterior com a epidemia SARS” (Síndrome Respiratória Aguda Grave), que entre 2002 e 2003 causou a morte a 774 pessoas em todo o mundo, a maioria das quais na China.
Também ouvido pela Lusa, Ray Choy, professor da Faculdade de Humanidades e Ciências Sociais da Universidade Cidade de Macau, disse que os residentes habituaram-se às medidas sanitárias e “por isso não veem a urgência de tomar a vacina”, frisando ainda que a epidemia no território se encontra estável e isso contribui para que as pessoas se sintam confortáveis.
Em relação à reduzida taxa de vacinação no território, o professor explica que a sensação geral da população de Macau é que a preparação e a produção das vacinas demoraram relativamente pouco tempo em relação a outras vacinas convencionais.
“Penso que a maioria dos residentes ainda está preocupada com a segurança e eficácia”, sublinhou, acrescentando que as pessoas continuam com a abordagem de “vou esperar e deixar ver”.
“Acho que o tempo ajudará a que mais pessoas tomem a vacina”, frisou.
Também a antropóloga Loretta Lou, que pertence ao departamento de Ciências Sociais na Universidade de Macau, refere a desconfiança em relação às vacinas por serem uma novidade, “mas também porque a vacinação não se enquadra na experiência quotidiana das pessoas comuns em matéria de saúde e doenças”.
“As pessoas esquecem que as vacinas salvaram muitas vidas ao longo do último século. É por isso que vemos um crescente movimento antivacinas a nível mundial”, explicou, detalhando que no caso de Macau “a maioria dos residentes recebeu a sua vacinação programada quando era bebé”.
“Para aqueles que não tomaram as vacinas contra a gripe sazonal no passado, a vacina contra a covid-19 é a sua ‘primeira vacina desde há algum tempo”, sendo compreensível que as pessoas estejam um pouco preocupadas”.
Contudo, a antropóloga deixa uma crítica às autoridades do antigo território administrado por Portugal: “Os funcionários da saúde pública poderiam ter feito mais educação pública”.
O Governo tem feito constantes apelos à vacinação e já avisou que a fronteira com a China continental pode endurecer restrições.
Nas últimas semanas, e para contrariar a inação dos residentes, os casinos de Macau (que empregam a maior parte dos trabalhadores de Macau) prometeram dinheiro, dias de férias extra e sorteios para quem se vacinar.
Uma das operadoras de jogo, a Melco, avançou mesmo com uma campanha ‘milionária para a qual destinou 16 milhões de patacas (1,64 milhões de euros) e que contempla a organização de seminários, pagar mil patacas (103 euros) a cada funcionário “plenamente vacinado” e promover ainda sorteios que podem valer seis prémios de um milhão de patacas (103 mil euros).
Estes incentivos coincidiram com o surgimento de casos na província vizinha chinesa de Guangdong, de onde provém a maioria de turistas para Macau e parte substancial da força de trabalho de Macau. Guangdong detetou dezenas de infeções locais desde 21 de maio, situação que levou as autoridades locais a impor, esta semana, restrições à circulação interna de pessoas, ao ditar que quem quiser sair da província deve fazer um teste à Covid-19, e a isolar bairros inteiros.
“Penso que a população de Macau se sente um pouco confortável demais com o ‘novo normal’, uma vez que os novos casos estão a aumentar rapidamente em Guangzhou e Taiwan. À medida que a sensação de crise se torna iminente, vemos mais residentes a reservar as suas vagas para as vacinas Covid-19 nestes últimos dias”, explicou Loretta Lou.
Por outro lado, Ray Choy faz uma relação direta entre o aumento de residentes que fizeram reservas para vacinação na última semana e o surgimento de novos casos tanto em Guangdong como em Taiwan.
“Na semana passada, mais de 40.000 residentes fizeram a reserva para obter a vacina, que é o número mais alto desde que o programa foi introduzido em fevereiro deste ano”, disse.
LUSA/HN
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