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Por uma estratégia de investimento ao serviço da inovação, da economia e da saúde dos portugueses
É uma constatação consensual – exacerbada em tempos de pandemias e crises como o que atualmente vivemos, mas na verdade intemporal e perene – que a Saúde, como poucos outros setores, é uma fonte geradora de múltiplos impactos positivos na sociedade e na economia, movida por dinâmicas de investigação e de inovação que, felizmente, têm vindo a crescer a ritmos acelerados, nas última décadas, a nível global.
Em Portugal, as áreas das Ciências Médicas e da Saúde e das Ciências da Vida representam a maior quota da produção científica do país e, inclusivamente, são vários os seus domínios cujo impacto de citação suplanta as médias europeia e mundial.
Não independente destes resultados é o facto de existir no nosso país, nas áreas em questão, uma invejável pool de pessoas altamente qualificadas, que é sustentadamente alimentada, em número e em qualidade, por um sistema de ensino e de formação também ele com provas dadas.
O manancial de conhecimento gerado pelo tecido académico e científico da Saúde em Portugal é, pois, volumoso e valioso. Mas também é, lamentavelmente, subaproveitado, com apenas uma muito pequena fração a conseguir chegar, sob a forma de produtos, processos ou serviços, ao tecido económico, aos mercados e à sociedade.
A transferência de conhecimento e de tecnologia nos domínios da Saúde representa, como todos sabemos, um desafio (particularmente) considerável. Entre muitos aspetos, importa realçar que um ecossistema funcional e integrado, que permita e facilite a condução desses processos de uma forma ágil, célere e com o mínimo de atritos, só se constrói mediante um envolvimento comprometido de múltiplas partes, designadamente, as universidades e centros de investigação, as empresas, os prestadores de cuidados, os utilizadores e os agentes do Estado e Administração Pública. Algo fácil de enunciar, mas difícil de concretizar de uma forma plena.
Em Portugal, foram-se sucedendo, ao longo dos anos, os programas e os instrumentos visando, precisamente, incentivar/apoiar esse tipo de envolvimento, sob a forma de iniciativas ou projetos de tipologia e escala variável e até eventualmente complementares entre si – por exemplo, Clusters de
Competitividade, Laboratórios Colaborativos ou Programas Mobilizadores. Até “geringonças” se lhes poderia chamar, digo eu, pois o que importa, para o efeito em questão, é que
(i) estas iniciativas tragam à prática, sob os princípios da colaboração e da inovação aberta, a missão e o objetivo de transformar o conhecimento científico em valor social e económico, e
(ii) que, nesse esforço comum, se assegure um grau de intra- e interarticulação apropriado, garantindo que se minimizam redundâncias indesejáveis e se potenciam sinergias positivas.
Neste contexto, procurando antever uma possível agenda estratégica nacional, holística e integradora, passível de potenciar a transferência de conhecimento e de tecnologia e, consequentemente, a inovação em Saúde no nosso país, parece-me que poderiam ser destacados,
numa perspetiva não-exaustiva, um conjunto de eixos centrais, designadamente:
(1) Promover uma reindustrialização inteligente do país, por via de estímulos ao investimento, estrangeiro e nacional, em capacidade produtiva em áreas de diferenciação competitiva selecionadas (nos domínios da farmacêutica, da biotecnologia e das tecnologias médicas),
discriminando positivamente os projetos que se caracterizem pelo elevado grau de inovação, de incorporação tecnológica de origem (também) nacional e pelo maior valor acrescentado. Neste sentido, as estratégias nacional e regionais de especialização inteligente deverão vir a refletir fielmente (também) o pulsar do tecido empresarial, proporcionando o devido enquadramento às suas
prioridades de investimento em investigação e inovação.
(2) Robustecer a oferta do país ao nível dos serviços de I&D e dos ensaios clínicos, por via de estímulos à capacitação das organizações – comerciais e “não-comerciais” – e suas redes, não só ao nível de infraestruturas e equipamentos, mas também (e sobretudo) ao nível da inovação organizacional e de gestão – incluindo novos modelos de negócio com base na transição digital e na integração em redes (nacionais e internacionais) –, da qualidade e do marketing.
(3) Reforçar o capital humano das empresas e demais organizações do sistema nacional de investigação e inovação, por via do estímulo à contratação de recursos humanos (altamente) qualificados, através de programas e instrumentos ágeis e flexíveis, desenvolvidos e implementados em estreita colaboração com as entidades “recetoras”, de forma a que vão efetivamente ao encontro das suas necessidades e expectativas.
(4) Desenvolver programas e potenciar o uso generalizado, no nosso país, de instrumentos de procurement – designadamente, pre-commercial procurement e public procurement of innovative solutions – como meios para ligar de uma forma efetiva a oferta e a procura de tecnologias e soluções novas e inovadoras (e sua consequente disseminação nos diferentes contextos de utilização).
(5) Desenhar e executar uma estratégia de branding e um plano de promoção ambiciosos, aplicáveis no curto, médio e longo prazo, quer a nível interno, quer (sobretudo) internacional, capaz de veicular eficazmente, perante os diferentes públicos/clientes/investidores-alvo, a real diversidade, qualidade e competitividade da oferta científica e tecnológica de Portugal no domínio da Saúde. A merecer especial atenção, quer pelos resultados que potencialmente podem produzir, quer também pela recetividade que o formato habitualmente desperta em todas as partes interessadas, está a concretização de uma agenda ambiciosa de missões inversas. Estas deverão ser criteriosamente selecionadas, trabalhadas e executadas de acordo com necessidades e oportunidades perfeitamente identificadas, com demonstrável interesse para os agentes do setor em Portugal, naturalmente, mas também sendo passíveis de gerar interesse junto dos stakeholders internacionais relevantes. Um racional análogo poder-se-ia aplicar mesmo a nível interno, reunindo-se, por exemplo, delegações
de elementos-chave de empresas portuguesas em visitas criteriosamente preparadas a centros de investigação/interface nacionais.
(6) Promover a execução de uma carteira de projetos-bandeira criteriosamente selecionados que, mobilizando consórcios completos de atores da(s) cadeia(s) de valor da Saúde e conexas, procurem respostas e soluções inovadoras para desafios e necessidades (societais, sanitárias ou operacionais) efetivas. A título de exemplo, um dos tópicos com um potencial particularmente interessante – e pelo qual, aliás, há muito tenho vindo a advogar – poderia ser o dos ensaios clínicos virtuais, não só por cumprir com as premissas pretendidas, mas também porque reunirá certamente o interesse de uma grande diversidade de agentes da cadeia de valor e do setor, nos seus diversos
quadrantes – interesse esse que terá sido, certamente, redobrado face às dificuldades que o atual momento de pandemia tem vindo a gerar, um pouco por todo o mundo, na condução de ensaios clínicos.
Em suma, o setor da Saúde em Portugal reúne um enorme potencial para, cada vez mais, através da investigação e da inovação, impactar positivamente a economia do país e a saúde dos portugueses. Para isso, será necessário que sobre ele haja uma visão estratégica mais holística, acompanhada por um incontornavelmente necessário investimento, adequado no volume e sustentado no tempo. E importa, claro está, “ligar os pontos”, do conhecimento ao mercado, pois, afinal, nem o con Save & Exit hecimento se transfere sozinho, nem a inovação se cria sozinha.
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