Luciana Frade Médica Interna e Mestranda, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E.

Esclerose lateral amiotrófica em tempos COVID – uma patologia que não pode esperar

06/18/2020

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Esclerose lateral amiotrófica em tempos COVID – uma patologia que não pode esperar

18/06/2020 | Opinião

O primeiro trimestre do ano 2020 foi marcado pelo trágico evento da epidemia oriunda da Ásia, denominada COVID-19. Qualquer epidemia é devastadora no sentido em que se trata de um evento rapidamente instaurado, de um agente contagioso numa população sem imunização para esse microrganismo e, portanto, facilmente exposta aos riscos inerentes à sua aquisição.

Se é um facto que mesmo indivíduos saudáveis não estão fora dos números que contribuem para a mortalidade global, é ainda mais preocupante quando pensamos em pessoas que partem de um substrato de fragilidade por doenças crónicas, degenerativas, irreversíveis e por si só progressivas.

É assim nas doenças neuromusculares, como é o caso da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Esta patologia, caracterizada pela degeneração do neurónio motor, está na base de variados sinais e sintomas, com enfoque na disfunção do aparelho responsável pela respiração. Assim sendo, o SARS-COV 2, um vírus com atingimento essencialmente respiratório, pode provocar resultados altamente danosos neste grupo de doentes.

É expectável que o impacto desta pandemia nos doentes com ELA seja mais grave e sério do que na população geral, em função da fraqueza muscular respiratória, mecanismos de tosse ineficaz e fragilidade no geral. A curva de trajetória da doença, caracterizada por um declínio gradual de duração variável, habitualmente ao longo de anos, adquire um grafismo de queda a pique sempre que uma intercorrência infeciosa se impõe. Urge assim, a necessidade de um acompanhamento clínico eficaz para a prevenção de descompensações e/ou descontrolo de sintomas associados que encurtam a vida.

O papel dos cuidados paliativos na ELA é fundamental, aliás como descrito nas guidelines da European Federation of the Neurological Societies (EFNS) – Clinical Management of Amyotrophic Lateral Sclerosis1 , em que uma referenciação precoce a equipa multidisciplinar integrada por profissionais de cuidados paliativos contribui para aumento da sobrevida e da sua qualidade. No entanto, o papel dos cuidados paliativos é fundamental ao longo de todo o percurso do doente, independentemente do prognóstico, como resposta a diferentes graus de necessidades neste trajeto e crucial no doente nos últimos tempos de vida e para intervir ativamente no sofrimento que a doença possa determinar.

Em tempo de pandemia, as estruturas de saúde focaram-se numa reorganização célere das diversas dimensões com objetivo de conter os doentes infetados; no entanto, muito ficou por fazer em relação aos doentes com necessidades paliativas que viram, em muitos locais, a sua estrutura desmoronar. Ao contrário do preconizado no documento da Ordem dos Médicos – Colégio da Competência de Medicina Paliativa no que respeita a recomendações no âmbito da pandemia COVID-19.2

O SARS COV2 apareceu, mas a ELA não desapareceu. O que estamos a fazer? Fingimos não existirem estes doentes? Subitamente ficaram curados? Desapareceram as suas necessidades? Tapamos estes doentes debaixo da capa COVID/não COVID como se de um doente agudo se tratasse. Desta atitude, surge uma abordagem generalista, de agudos, incorreta ao doente, condicionando sofrimento para o próprio e para a família/cuidadores. Consultas externas canceladas, equipas intra-hospitalares desmembradas, falta de profissionais com alocação de tempo integral aos cuidados paliativos, fizeram com que os cuidados fossem comprometidos. Nomeadamente, no que toca ao descontrolo sintomático, como a dispneia (falta de ar), a dor, espasticidade, sialorreia, a obstipação, tão frequentes no doente com ELA. Estes doentes não podem ficar para amanhã, carecem de acompanhamento regular e resposta atempada.

A impossibilidade de acesso a cuidados paliativos por motivos desta pandemia, é certamente, um evento de mau prognóstico para estes doentes e suas famílias/cuidadores, que subitamente viram as suas necessidades desprovidas de cuidados especializados e adequados à sua doença de base em qualquer fase que esta se encontre, nomeadamente quando se encontrem em fases de maior fragilidade e para evitar ativamente sofrimento desnecessário.

Bibliografia
EFNS Task Force on Diagnosis and Management of Amyotrophic Lateral Sclerosis. EFNS Guidelines on the Clinical Management of
of Amyotrophic Lateral Sclerosis (MALS)-revised Report of an EFNS Task Force.Eur J Neurol 2012 Mar;19(3):360-75. doi: 10.1111/j.1468-1331.2011.03501.x. Epub 2011 Sep 14.
https://ordemdosmedicos.pt/recomendacoes-de-medicina-paliativa-no-ambito-da-pandemia-covid-19/

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