Na vila da Pontinha, no concelho de Odivelas, um dos municípios mais afetados pela Covid-19, a máscara tornou-se um acessório indispensável para os habitantes, que, apesar do medo crescente de ficarem infetados, necessitam de fazer a sua rotina.
Pela manhã, as principais artérias da Pontinha, às portas de Lisboa, enchem-se de movimento, sobretudo de pessoas mais idosas que procuram fazer as suas compras nas várias padarias, talhos e mercearias ali existentes.
Também as paragens de autocarros são verdadeiros pontos de encontro, gerando entre cada passagem filas de dezenas de pessoas, que aguardam pacientemente, sempre com a máscara colocada e com a respetiva distância de segurança.
Por estes dias, o tema da Covid-19 voltou a gerar “bastante apreensão” nos habitantes da Pontinha, uma vez que o concelho de Odivelas é nesta altura um dos cinco municípios da Área Metropolitana de Lisboa (AML) que continuam a registar mais casos diários da doença.
Por isso, todas as freguesias do concelho de Odivelas estão desde as 00:00 de terça-feira sob uma vigilância mais ativa e obrigadas a obedecer a um conjunto de medidas mais restritivas, nomeadamente a proibição da venda de bebidas e consumo na via pública e o encerramento mais cedo dos estabelecimentos comerciais, à exceção dos restaurantes.
“A gente mora aqui há muitos anos, conhecemos as pessoas e ao saber que estão infetadas ficamos preocupados. Tentamos fazer o que se pode, andar sempre com as máscaras, mas não deixa de ser uma aflição”, diz à agência Lusa Daniel Martins, de 77 anos, enquanto põe a conversa em dia com dois amigos.
Uns metros mais à frente, Bernarda Vitorino, que aguarda o autocarro que a levará até ao trabalho, em Lisboa, diz à Lusa que a situação “é alarmante” e que o medo de andar nos transportes “é cada vez maior”.
“Preocupa bastante porque é uma doença invisível, as pessoas não veem quem tem, então todo o cuidado é pouco. E a situação como está dá medo por causa do incumprimento de certas pessoas”, aponta.
Por isso, elogia as medidas restritivas anunciadas na segunda-feira pelo primeiro ministro, António Costa, para controlar o surto da Covid-19 na Área Metropolitana de Lisboa.
“Eu acho que são louváveis, para o bem da sociedade, da comunidade e de todo o povo. Eu acho que o primeiro-ministro tem razão”, sublinha.
Por outro lado, o medo e o pânico dos moradores está a ter consequências negativas para o comércio local, segundo contou à Lusa o comerciante Rui Mateus, proprietário do café Delícia.
“Agora com esta situação, assim que anunciaram as novas regras, as poucas pessoas que cá vinham começaram a deixar de vir, com medo. Porque a população idosa, que são sobretudo os meus clientes, não tem muito conhecimento e com estas informações fazem logo um pé de vento”, lamenta.
Já o comerciante Daniel Pires destaca os problemas sociais que têm afetado os moradores daquela vila, falando numa “fome instalada e escondida”.
“Há infelizmente muita gente a pedir subsídios e alimentos. Está a fome instalada e escondida. Vamos ver o que se vai passar daqui para a frente”, afirma num tom pessimista.
Um dos problemas referidos para o aumento do número de contágios na AML são as festas ilegais e os ajuntamentos, protagonizados sobretudo pelos mais jovens, uma situação corroborada pelo estudante José Rebelo.
“Há muita gente que não tem noção e os ajuntamentos são mesmo o maior problema. Eu acho que as pessoas, como não estão mesmo no centro de Lisboa, se sentem mais à vontade e, por isso, é que está a piorar. Podem ficar mais preocupadas, mas não mudam o seu comportamento”, atesta.
A cerca de um quilómetro do centro da Pontinha ergue-se o bairro Olival do Pancas, composto por um aglomerado de prédios e de casas degradadas, onde não existem estabelecimentos comerciais, nem outro tipo de equipamentos.
É neste cenário que se encontra instalada uma pequena caravana, que serve há sete anos de casa a Angelina Silva, ao marido e aos três filhos pequenos.
A família que dispõe apenas de um espaço exíguo para satisfazer as necessidades básicas do dia a dia e implora por ajuda à Câmara Municipal de Odivelas.
“Eu ando a pedir ajuda de habitação social e até hoje não tenho resposta. Graças a Deus aqui ainda não há nenhum caso da Covid-19, mas eu tenho muito medo, sobretudo pelos meus filhos”, afirma num tom firme.
A Lusa contactou a Câmara de Odivelas para obter um comentário à situação vivida no concelho, mas tal não foi possível.
Segundo informações divulgadas até ao momento, estão em vigilância ativa 19 freguesias da Área Metropolitana, correspondendo à totalidade dos concelhos de Odivelas (4) e Amadora (6), seis do município de Sintra, duas de Loures e uma de Lisboa.
As medidas mais restritivas aprovadas pelo Governo para a AML devido ao aumento dos casos de Covid-19 entraram em vigor às 00:00 de terça-feira e quem desobedecer pode incorrer em crime de desobediência, punido no Código Penal com prisão até um ano ou 120 dias de multa.
Assim, o Governo voltou a limitar a um máximo de 10 pessoas, salvo se pertencerem à mesma família, “o acesso, circulação ou permanência de pessoas em espaços frequentados pelo público, bem como as concentrações de pessoas na via pública” na AML e determinou o encerramento às 20:00 de “todos os estabelecimentos de comércio a retalho e de prestação de serviços, bem como os que se encontrem em conjuntos comerciais” na AML.
A exceção são os restaurantes “exclusivamente para efeitos de serviço de refeições no próprio estabelecimento” e também os restaurantes com serviço de ‘take-away’ ou entrega no domicílio, “os quais não podem fornecer bebidas alcoólicas no âmbito dessa atividade”.
A venda de bebidas alcoólicas é também proibida “nas áreas de serviço ou nos postos de abastecimento de combustíveis” da AML, bem como o seu consumo na via pública.
A AML é integrada pelos municípios de Alcochete, Almada, Amadora, Barreiro, Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Moita, Montijo, Odivelas, Oeiras, Palmela, Seixal, Sesimbra, Setúbal, Sintra e Vila Franca de Xira.
LUSA/HN
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