Mais de 50 milhões de pessoas em risco de fome extrema em África

9 de Julho 2020

Onze países africanos estão entre os principais pontos em que o risco de fome extrema foi agravado pela pandemia de Covid-19, estimando-se que, só na região do Sahel, mais 50 milhões de pessoas entrem em crise alimentar.

A estimativa é feita no relatório “O vírus da fome: como a Covid-19 está a aumentar a fome num mundo faminto”, da organização não-governamental Oxfam, que analisa os impactos da doença em países onde a situação alimentar e nutricional das populações era já extrema antes da pandemia.

A organização elaborou uma lista de 10 países/regiões com níveis de “fome extrema” em finais de 2019, onde se contam a República Democrática do Congo (15,6 milhões de pessoas), a Etiópia (8 milhões de pessoas), o Sudão do Sul (7 milhões de pessoas) e o Sudão (5,9 milhões de pessoas).

A lista inclui ainda a região ocidental do Sahel, que cobre o Burkina Faso, Mali, Mauritânia, Níger, Chade, Senegal e Nigéria, com uma estimativa de 9,8 milhões de pessoas em situação de fome extrema.

Globalmente, os 11 países africanos concentram 46,3 milhões de pessoas em crise alimentar, mas o estudo projeta que só na região do Sahel, as medidas tomadas para conter a propagação do novo coronavírus possam atirar mais 50 milhões de pessoas para situações de insegurança nutricional e alimentar expondo-as a um maior risco de fome extrema.

“Entre março e maio de 2020, estimava-se que cerca de 13,4 milhões de pessoas necessitavam de assistência alimentar imediata em toda a região, empurradas para a fome devido a conflitos, alterações climáticas e ao fracasso dos governos em apoiar os pequenos produtores e distribuir igualmente a riqueza”, aponta-se no estudo.

A violência forçou 4,3 milhões de pessoas a fugirem das suas casas e deixou 24 milhões a precisar de ajuda humanitária urgente, metade das quais crianças.

A insegurança afeta também a capacidade das pessoas para cultivarem as terras e manterem o gado, especialmente no Chade, Burkina Faso e norte do Senegal.

“As medidas para conter a pandemia afetaram o acesso aos mercados, a produção e os preços dos alimentos. O encerramento das fronteiras levou a aumentos acentuados no preço dos alimentos e dos produtos agrícolas importados em toda a região, com o Mali a ver os preços aumentar em 10%, em média, e a Nigéria a registar aumentos de 30%”, adianta a Oxfam.

De acordo com o relatório, as medidas de encerramento impostas em muitas cidades em resposta à pandemia tiveram um impacto significativo nos produtores – muitos dos quais são mulheres – com produtos perecíveis como fruta, legumes e leite a ficarem estragados devido ao encerramento dos mercados.

As restrições à circulação impediram também que milhões de pastores conduzissem o gado para pastagens no Sul, entre março e junho, ameaçando a sobrevivência de rebanhos inteiros.

Neste contexto, alerta a Oxfam, “a pandemia poderá levar mais de 50 milhões de pessoas adicionais a uma crise alimentar e nutricional”, numa altura em que foram mobilizados apenas 26% dos 2,8 mil milhões de dólares (2,47 mil milhões de euros) necessários para a resposta humanitária no Sahel.

“Milhões já estão a lutar para conseguir comer uma vez por dia. As mulheres, que muitas vezes ficam sem comida para poderem alimentar os filhos, correm um risco particular”, adianta a organização.

No Sudão do Sul, o estudo refere que antes da pandemia, mais de 60% das pessoas enfrentavam níveis diversos de fome e quatro em cada cinco pessoas viviam abaixo do limiar da pobreza, num país há sete anos em conflito e onde 80% das pessoas dependem da agricultura.

As Nações Unidas advertiram que a fome ameaça a vida de até 5,5 milhões de pessoas, com as secas e inundações periódicas a destruírem culturas e gado, e a queda dos preços do petróleo a ter “um impacto devastador” num país que depende do setor petrolífero para 98% do seu Produto Interno Bruto (PIB).

Por outro lado, a diminuição da assistência humanitária terá também um impacto significativo num país onde 7,5 milhões de pessoas dependem desta ajuda para sobreviver.

O relatório aponta ainda a África do Sul como uma “zona emergente” de fome, adiantando que antes da pandemia, 13,7 milhões de pessoas que viviam na África do Sul não tinham acesso a alimentos suficientes devido aos elevados níveis de desemprego, à falta de acesso a bens como terra ou licenças de pesca, e ao elevado e crescente preço dos alimentos.

De acordo com a Oxfam, desde o início do confinamento no país, sondagens semanais revelaram que o desemprego e a perda de rendimentos estão a ter um impacto direto na segurança alimentar.

“Um em cada três adultos inquiridos disse que ia para a cama com fome e um quinto tinha perdido peso durante o confinamento devido à falta de alimentos”, refere o documento, adiantando que o “problema é particularmente agudo nas zonas urbanas”.

Milhões de trabalhadores informais viram-se subitamente desempregados e sem acesso a subsídios de doença ou desemprego, os preços dos alimentos dispararam e a proibição da atividade dos vendedores de alimentos de rua, que suportam cerca de 500 mil famílias e fornecem alimentos a 70% dos lares das cidades, está a ter um “impacto dramático”, tanto nos agricultores, como nos clientes.

África passou hoje o meio milhão de casos de Covid-19 e o número de mortos subiu para 11.955, mais 333 nas últimas 24 horas, segundo os dados mais recentes sobre a pandemia no continente.

De acordo com o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da União Africana (África CDC), o número de infetados subiu para 508.086, mais 16.336 nas últimas 24 horas, enquanto o número de recuperados é hoje de 245.068, mais 8.702.

LUSA/HN

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