Decorre esta terça-feira, às 21 horas, a segunda edição do webinar Vertis CV, onde será discutida a importância clinica da nova classe de fármacos em que se inclui a ertugliflozina para os doentes com diabetes mellitus tipo 2. A segurança cardiovascular e renal demonstradas pelo fármaco colocaram-nos agora, segundo Joana Louro, Especialista em Medicina Interna no Centro Hospitalar do Oeste, perante uma mudança de paradigma no tratamento da diabetes tipo 2. É que o controlo da glicémia, que tem vindo a ser priorizado ao longo dos anos no tratamento da Diabetes mellitus tipo 2 face a outros fatores metabólicos e fisiopatológicos, como o principal método pelo qual a morbimortalidade desta patologia pode ser reduzido. A acompanhar a Dra. Joana Louro, estarão o Prof. Ricardo Carvalho, Cardiologista no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia, e o Prof. Joaquim Calado, Nefrologista no Centro Hospitalar Lisboa Central.
HealthNews (HN) – O primeiro webinar foi sobre a apresentação de novos dados para uma terapia já recorrente, mas que tem vindo assumir uma maior importância no tratamento de doentes com diabetes tipos 2. Correto?
Joana Louro – Certo, não é propriamente um novo tratamento. Foi a apresentação dos resultados do estudo cardiovascular, de outcomes cardiovasculares da ertugliflozina, que é um fármaco que já existe no mercado e que já está comercializado como antidiabético oral. Faltava-nos este estudo de segurança e de outcomes cardiovasculares, que foi apresentado e conhecido em junho no Congresso Americano de Diabetes da ADA, e esses primeiros resultados apresentados, que compõe o estudo de outcomes cardiovasculares, foram apresentados também neste primeiro webinar.
Neste segundo webinar, vamos falar mais especificamente de sub-análises deste estudo. Nomeadamente, as sub-análises renais e de insuficiência cardíaca.
HN – E que novidades trás este novo estudo à cerca deste fármaco?
JL – Mais do que novidades, este é o último estudo da classe publicado. Portanto, nós não estávamos à espera de grandes novidades, mas às vezes os estudos valem pelo que acrescentam, e isso não tem que ser obrigatoriamente uma novidade. Neste caso em concreto, veio reforçar e dar consistência aos resultados que já conhecíamos. Por um lado, este estudo veio reforçar do ponto de vista de eficácia a importância de uma molécula – a ertugliflozina – e a importância de uma classe onde está inserida – os inibidores de SGLT2. Este estudo veio ainda reforçar a eficácia da molécula na redução da hemoglobina A1C e a eficácia da molécula na redução de todos os outros fatores de risco cardiovascular que já conhecíamos. Veio reforçar a redução da pressão arterial, veio reforçar a redução do peso… fatores muito importantes no controlo metabólico e nono controlo dos fatores de risco cardiovasculares. Estes foram os primeiros acréscimos que o estudo trouxe. Depois, veio reforçar aquilo que para nós – médicos – é fundamental, o conceito de segurança. Ou seja, nós tivemos com este estudo mais uma sedimentação daquilo que já sabíamos da classe, que é segura. A ertugliflozina com o Vertis CV veio reforçar precisamente isto, que é segura não só do ponto de vista de efeitos adversos, mas também do ponto de vista cardiovascular, que era o que este estudo pretendia provar numa população de elevadíssimo risco cardiovascular. Depois, veio-nos reforçar outra coisa que já sabíamos da classe, que este estudo voltou a comprovar a importância que esta classe tem na redução de hospitalização por insuficiência cardíaca.
Este estudo provou que havia uma redução de 30% no primeiro evento de hospitalização por insuficiência cardíaca, mas também uma redução de 30% quando se juntava o primeiro e os subsequentes eventos.
E ainda veio reforçar o papel que sabíamos que esta classe tinha no ponto de vista da segurança renal e de endpoints renais. Teve uma redução de 19% nos endpoints renais, por isso sabemos que na ertugliflozina temos uma preservação da taxa de filtração glomerular ao longo do tempo, que é precisamente aquilo que já sabíamos desta classe.
HN – Em relação à insuficiência cardíaca e aos problemas renais, qual é a incidência destas condições em doentes com diabetes, e porque é que isto acontece?
JL – A insuficiência cardíaca é altamente prevalente nos doentes com diabetes, por vários motivos. Primeiro pela própria fisiopatologia, mas depois também porque são duas entidades que acompanham uma faixa etária muito elevada. A insuficiência cardíaca surge nas pessoas mais idosas, e a diabetes surge também nas pessoas mais idosas. Nós estamos a falar do ponto de vista de doenças cardiovasculares, estamos a falar da segunda entidade mais prevalente, a seguir à doença arterial periférica. Por isso, prevenir, tratar e evitar que progrida uma entidade como a insuficiência cardíaca é o objetivo de qualquer médico que trate doentes com diabetes. O mesmo acontece do ponto de vista da nefropatia diabética
Nós sabemos que os doentes com diabetes sofrem de nefropatia, têm a sua função renal deteriorada e essa deterioração vai-se prolongando e agravando ao longo do tempo. Ter um fármaco que trave esta progressão é um mais-valia.
Nós estamos mesmo perante uma grande mudança de paradigma. Durante muito tempo tivemos muito pouco para tratar a nefropatia diabética, o rim destes doentes. Pela primeira vez em muito tempo temos moléculas que fazem quase um milagre, que é – previnem, tratam e evitam a progressão – melhoram o prognóstico da doença. E é isto que queremos, atuar antes, durante e depois. E melhorar os prognósticos dos nossos doentes com diabetes, insuficiência cardíaca e renal tem que ser o nosso objetivo.
HN – Face a estes problemas cardíacos e renais, parece haver uma componente bastante grande de multidisciplinariedade no tratamento da diabetes. A abordagem multidisciplinar à diabetes é comum? E é bem feita?
JL – Eu digo sempre, e é quase o meu cavalo de batalha, a diabetes é uma doença metabólica, e será sempre uma doença metabólica. O nosso primeiro objetivo tem que ser sempre o controlo metabólico dos doentes. Se nós para além do controlo metabólico conseguimos melhorar e prevenir todas as complicações micro e macro vasculares, que no fundo é daquilo que o doente vem a morrer, então temos a terapêutica perfeita e a conjugação perfeita. Claro que a abordagem da diabetes tem de ser multidisciplinar, não só do ponto de vista médico, que precisamos muitas vezes do cirurgião vascular, do oftalmologista, do nefrologista… mas quando falo de multidisciplinariedade transcende a parte médica. Precisamos de enfermeiros, de dietistas nutricionistas, de psicólogos, assistentes sociais, ou seja, a complexidade da doença, em todas as suas vertentes, vai sempre exigir multidisciplinariedade.
HN – E a Dra. sente na sua experiência profissional que este acompanhamento pode ser por vezes problemático? Acontece sempre que é necessário?
JL – Não acontece sempre porque os recursos não existem. Não nos podemos esquecer que os doentes com diabetes são tratados numa valência muito grande, desde os cuidados de saúde primários nos Centros de Saúde aos cuidados hospitalares. Infelizmente, nos Centros de Saúde não há nutricionistas, nem psicólogos nem pedologistas. É certo que nem todos os doentes precisam desta complexidade terapêutica, mas muitos precisam. Mas por isso é que o diabetologista é sempre o elemento centra na gestão deste doente.
HN – Falando um pouco mais sobre webinar em si, que pontos vão abordar nesta segunda edição, e o que é que tem preparado?
JL – Não quero falar muito porque tenho que ter algo novo para dizer. Vou ter comigo no webinar dois colegas que fazem deste um webinar multidisciplinar, porque sou internista e diabetologista e vou ter comigo o Prof. Ricardo Fontes de Carvalho que é cardiologista e vai falar sobre a sub-análise de insuficiência cardíaca do Vertis, e o professor Joaquim Calado que é nefrologista vai falar sobre os outcomes renais e essa subanálise renal, porque esta classe tem tido resultados tão favoráveis e surpreendentes que começa a ter indicação até em doentes não diabéticos. Doentes com insuficiência cardíaca e doença renal, mas sem diabetes. A ertugliflozina em questão não tem estudos nessa área, mas há outras moléculas que já têm. Por isso, é uma classe que está a motivar muito interesse e muito entusiasmo nomeadamente pelos nefrologistas que nunca tiveram um tratamento tão eficaz em alguns aspetos que não seja a diálise. Portanto, estamos mesmo a falar de um fármaco altamente promissor.
Perante estes dois peritos e o seu “know how”, eu vou tentar introduzir o doente real e com diabetes que é seguido nas nossas consultas multidisciplinares, e em que o foco será sempre o controlo metabólico, claro.
HN – Esta nova classe e esta terapêutica é aplicável a todos os doentes que sofrem de diabetes, ou tem exceções?
JL – Esta terapêutica, como antidiabético oral, pode ser indicada para quase todos. Claro que haverá doentes que podem não beneficiar tanto dele enquanto medicamento oral, como por exemplo um doente que tenha uma doença renal crónica muito avançada e com uma taxa de filtração glomerular muito baixa não vai beneficiar deste fármaco antidiabético oral para redução de hemoglobina ALC, mas pode beneficiar dele para proteger aquele rim. Não é um fármaco para todos porque nada é para todos hoje em dia. Mas qualquer doente que tenha sinais de insuficiência cardíaca ou que tenha doença renal crónica associada beneficia seguramente, é o que dizem as guidelines, desta classe farmacológica.
HN – Falou-me numa mudança de paradigma perante esta terapêutica, eu perguntava-lhe o que muda quais passam a ser os próximos desafios para a diabetes?
JL – Durante muito tempo estivemos completamente focados no controlo metabólico, e era a hemoglobina ALC que decidia qual era o próximo passo do ponto de vista terapêutico. Se não alcançava a hemoglobina ALC que tínhamos delineado para aquele doente, tínhamos que associar fármacos. Neste momento temos indicação pelas guidelines para introduzir esta classe farmacológica independentemente do controlo metabológico do doente. Ou seja, tenha ele uma glicada, no alvo ou não, o doente tem indicação para estes fármacos porque acresce valor, acresce proteção cardiovascular. E esta é uma forma completamente diferente daquela como tratávamos a diabetes, em que centrávamos tudo no valor da hemoglobina ALC, se estava controlado ou associado a fármacos. Hoje, mesmo num doente controlado, não associar uma fármaco que lhe confere proteção cardiovascular – que no fundo é aquilo pelo qual os doentes com diabetes têm mortalidade e morbilidade – é considerada má prática clínica.
Por outro lado, estamos a falar de fármacos que mudam prognóstico. Até aqui íamos atrás dos danos, agora podemos evitá-los. Estamos a falar de fármacos que mudam o curso natural da doença, e isso é fundamental porque se conseguir alterar a forma como a diabetes evolui por si, vou estar a dar anos e anos com qualidade de vida aos doentes.
Entrevista de João Marques
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