Subida das águas do Zambeze arrasta 1.400 toneladas de culturas em Moçambique

15 de Novembro 2020

As autoridades moçambicanas estimam que se perderam 1.400 toneladas de diversas culturas agrícolas no centro do país, devido à subida do nível do rio Zambeze, após descargas anunciadas da barragem da Cahora Bassa, disse hoje à Lusa fonte oficial.

Só que os avisos que uma entidade oficial diz ter feito, parece não terem chegado a outra e, no final, centenas de famílias perderam o resultado da agricultura de subsistência – forma de vida da maioria dos moçambicanos.

A insistente ocupação de zonas de cheia pela população é um problema antigo e a luta para as convencer a procurar outros locais repete-se todos os anos, mas sempre sem os resultados ideais.

“Quando abriram as comportas da barragem, as famílias foram apanhadas de surpresa: elas não tiveram como ir lá recolher toda a produção”, disse Adérito Taminho, chefe da repartição de agricultura e pesca da Inspeção Nacional de Atividades Económicas (INAE) em Mutarara, província de Tete, interior centro de Moçambique.

Segundo aquele responsável, a abertura, desde outubro, das comportas da barragem, fez subir as águas, que retomaram as terras que periodicamente inundam quando o rio ganha corpo.

O caudal subiu e, na sequência, as águas destruíram cerca de 640 hectares de culturas, entre milho, feijão e hortícolas, que correspondem a cerca de 1.400 toneladas de produtos.

A situação afetou 559 famílias do distrito de Mutarara, na província de Tete, que têm na agricultura a sua base de sobrevivência.

De acordo com a INAE, os gestores da bacia do Zambeze têm emitido comunicados para alertar aos agricultores, mas “desta vez [o comunicado] atrasou-se e a hidroelétrica, dentro do seu programa, abriu as comportas”.

“O comunicado chegou depois do ocorrido. A maioria das famílias ainda tem algo para consumir, mas não será suficiente para aguentar até a próxima colheita”, lá para abril de 2021, referiu.

O diretor geral da Administração Regional de Águas (ARA) do Centro, entidade que gere a bacia do Zambeze, disse à Lusa que o comunicado foi enviado “com muita antecedência”.

Custódio Vicente referiu que se trata “de uma operação regular e necessária”, feita antes da época chuvosa, para aumentar a “capacidade de encaixe” da barragem.

“Duas semanas antes das descargas, em setembro, houve um trabalho de aviso e sensibilização à comunidade de que haveria esta operação. Anualmente fazemos [as descargas] para garantir que a barragem consiga suportar qualquer onda de cheias que venha a ocorrer”, referiu.

A técnica segue um princípio simples: ganhar espaço, de antemão, quando a época das chuvas está a começar – decorrendo de outubro a abril.

“Temos de evitar que os eventos coincidam, isto é, evitar que quando estiverem a ocorrer chuvas intensas também estejamos a fazer descargas, pois os impactos seriam muito maiores”, acrescentou.

Segundo Custódio Vicente, a comunidade desenvolve a agricultura ao longo do rio, em período seco, uma atividade que não devia ocorrer naquela região.

“As referidas atividades [agrícolas] são feitas dentro do leito do rio e quando se abrem as comportas há essas consequências. A água está dentro do seu espaço e temos de nos habituar a dar espaço ao leito, ao rio”, concluiu.

Várias autoridades provinciais, sobretudo no norte e centro do país, têm desenvolvido ações de sensibilização desde outubro para remover residentes em zonas de cheia dos principais rios moçambicanos.

O atual período chuvoso, que começou em 01 de outubro, matou 22 pessoas e outras 16.057 foram afetadas, segundo dados anunciados pelo Governo.

As províncias de Niassa, Nampula, Zambézia, Tete, Manica e cidade de Maputo foram as mais afetadas, havendo, pelo menos, 922 casas totalmente destruídas e outras 1.704 parcialmente devastadas.

Entre os meses de outubro e abril, Moçambique é ciclicamente atingido por ventos ciclónicos oriundos do Índico e por cheias com origem nas bacias hidrográficas da África Austral, além de secas que afetam quase sempre alguns pontos do sul do país.

O período chuvoso de 2018/2019 foi dos mais severos de que há memória em Moçambique: 714 pessoas morreram, incluindo 648 vítimas de dois ciclones (Idai e Kenneth) que se abateram sobre Moçambique.

LUSA/HN

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