Só que os avisos que uma entidade oficial diz ter feito, parece não terem chegado a outra e, no final, centenas de famílias perderam o resultado da agricultura de subsistência – forma de vida da maioria dos moçambicanos.
A insistente ocupação de zonas de cheia pela população é um problema antigo e a luta para as convencer a procurar outros locais repete-se todos os anos, mas sempre sem os resultados ideais.
“Quando abriram as comportas da barragem, as famílias foram apanhadas de surpresa: elas não tiveram como ir lá recolher toda a produção”, disse Adérito Taminho, chefe da repartição de agricultura e pesca da Inspeção Nacional de Atividades Económicas (INAE) em Mutarara, província de Tete, interior centro de Moçambique.
Segundo aquele responsável, a abertura, desde outubro, das comportas da barragem, fez subir as águas, que retomaram as terras que periodicamente inundam quando o rio ganha corpo.
O caudal subiu e, na sequência, as águas destruíram cerca de 640 hectares de culturas, entre milho, feijão e hortícolas, que correspondem a cerca de 1.400 toneladas de produtos.
A situação afetou 559 famílias do distrito de Mutarara, na província de Tete, que têm na agricultura a sua base de sobrevivência.
De acordo com a INAE, os gestores da bacia do Zambeze têm emitido comunicados para alertar aos agricultores, mas “desta vez [o comunicado] atrasou-se e a hidroelétrica, dentro do seu programa, abriu as comportas”.
“O comunicado chegou depois do ocorrido. A maioria das famílias ainda tem algo para consumir, mas não será suficiente para aguentar até a próxima colheita”, lá para abril de 2021, referiu.
O diretor geral da Administração Regional de Águas (ARA) do Centro, entidade que gere a bacia do Zambeze, disse à Lusa que o comunicado foi enviado “com muita antecedência”.
Custódio Vicente referiu que se trata “de uma operação regular e necessária”, feita antes da época chuvosa, para aumentar a “capacidade de encaixe” da barragem.
“Duas semanas antes das descargas, em setembro, houve um trabalho de aviso e sensibilização à comunidade de que haveria esta operação. Anualmente fazemos [as descargas] para garantir que a barragem consiga suportar qualquer onda de cheias que venha a ocorrer”, referiu.
A técnica segue um princípio simples: ganhar espaço, de antemão, quando a época das chuvas está a começar – decorrendo de outubro a abril.
“Temos de evitar que os eventos coincidam, isto é, evitar que quando estiverem a ocorrer chuvas intensas também estejamos a fazer descargas, pois os impactos seriam muito maiores”, acrescentou.
Segundo Custódio Vicente, a comunidade desenvolve a agricultura ao longo do rio, em período seco, uma atividade que não devia ocorrer naquela região.
“As referidas atividades [agrícolas] são feitas dentro do leito do rio e quando se abrem as comportas há essas consequências. A água está dentro do seu espaço e temos de nos habituar a dar espaço ao leito, ao rio”, concluiu.
Várias autoridades provinciais, sobretudo no norte e centro do país, têm desenvolvido ações de sensibilização desde outubro para remover residentes em zonas de cheia dos principais rios moçambicanos.
O atual período chuvoso, que começou em 01 de outubro, matou 22 pessoas e outras 16.057 foram afetadas, segundo dados anunciados pelo Governo.
As províncias de Niassa, Nampula, Zambézia, Tete, Manica e cidade de Maputo foram as mais afetadas, havendo, pelo menos, 922 casas totalmente destruídas e outras 1.704 parcialmente devastadas.
Entre os meses de outubro e abril, Moçambique é ciclicamente atingido por ventos ciclónicos oriundos do Índico e por cheias com origem nas bacias hidrográficas da África Austral, além de secas que afetam quase sempre alguns pontos do sul do país.
O período chuvoso de 2018/2019 foi dos mais severos de que há memória em Moçambique: 714 pessoas morreram, incluindo 648 vítimas de dois ciclones (Idai e Kenneth) que se abateram sobre Moçambique.
LUSA/HN
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