José António Vieira da Silva, ex-ministro do Trabalho e conselheiro da Comissão Europeia para os direitos sociais durante a presidência portuguesa da UE, no primeiro semestre de 2021, sublinha, em entrevista à Lusa, que “o valor simbólico de ser uma diretiva europeia é um valor relevante”, porque “passa a ser a legislação europeia”.
“A possibilidade de não existir [salário mínimo] hoje em dia existe num país da Europa, da UE. Porquê? Porque o instrumento legal que existe é uma recomendação e a recomendação é seguida, ou não, pelos países. O que muda é que deixará de ser uma recomendação”, afirma, referindo-se à diretiva proposta sobre o enquadramento de um salário mínimo europeu, um dos instrumentos do Plano de Ação do Pilar dos Direitos Sociais que Portugal espera ver aprovado na sua presidência.
O conselheiro sublinha que países como o Reino Unido ou a Alemanha “só acordaram um salário mínimo há poucas décadas”, numa UE em que “a maioria dos países têm salários mínimos”, mas “que são estabelecidos por processos muito diferentes”.
“Há países em que eles são decretados pelo governo, há países em que eles são decididos pelo governo em concertação com os parceiros sociais, é o caso português, há países em que são os parceiros sociais que o fixam e há países ainda em que é a negociação coletiva […] que fixa os salários mínimos setor a setor”, enumera.
“A diretiva que a Comissão Europeia avança não questiona a diversidade nacional e esse é um ponto muito crítico”, frisa, adiantando que ”a solução que já foi encontrada no Pilar europeu dos Direitos Sociais” é “a coexistência de diferentes modelos”.
O que muda, sublinha, é passar a ser uma diretiva, “porque o valor simbólico de ser uma diretiva europeia é um valor relevante: passa a ser a legislação europeia”.
“Um acordo é politicamente muito mais forte. Haver um acordo quer dizer que há um empenhamento de todas as partes em fazer do salário mínimo um instrumento de desenvolvimento”, nota, depois de explicar que um acordo será sobre uma diretiva, que, “ainda que admita diferentes formas” de fixação, “obriga todos os países a ter um mecanismo qualquer de salário mínimo”.
Depois, o valor. O valor não será igual para todos. Como não é hoje.
A diretiva não vai impor um valor para o salário mínimo nos Estados-membros – “continua a haver salários mínimos de 300 euros e salários mínimos de 1.200” -, mas definir um enquadramento para o salário mínimo com base em indicadores, critérios e objetivos que assegurem uma qualidade de vida decente aos trabalhadores, compatível com o padrão de vida do país onde exercem a sua atividade.
Ciente de que alcançar um compromisso entre os 27 vai ser difícil, Vieira da Silva confia na “tradição portuguesa” de “fazer pontes”.
“Porque temos, nalguns aspetos, algumas características que se aproximam mais das economias menos desenvolvidas e temos, por outro lado, tradições e ligações políticas e económicas mais fortes aos países mais desenvolvidos” da UE, completa.
“Portanto, temos muitos dossiês, podia citar vários ao longo destes últimos anos, em que Portugal exerceu um papel importante, mais importante do que sua própria dimensão, porque consegue falar a linguagem dos dois lados, consegue falar a linguagem dos direitos, mas também a linguagem da perceção dos riscos”, destaca.
Refere nomeadamente a experiência de Portugal, em que “o salário mínimo foi fixado em 1974 ou 1975”, embora só em 2016 tenha havido um acordo entre os parceiros sociais, “a primeira vez que todos se puseram de acordo sobre uma trajetória e um valor concreto de crescimento”.
“Quer dizer que é possível”, conclui, admitindo que a natureza “multipartidária” desta Comissão, cuja formação assentou de “um acordo de várias famílias políticas”, pode bem significar “que um dos pontos desse acordo passasse por avanços neste plano entre as várias famílias políticas”.
Vieira da Silva admite que, apresentada a proposta da Comissão, Portugal não sabe ainda “em que estado” da negociação vai receber o dossier das mãos da presidência alemã, mas considera que a diretiva sobre o salário mínimo não é o maior desafio da agenda social, eleita como “o coração” da presidência portuguesa do Conselho da UE.
“O maior desafio, é mesmo os termos em que está escrito, é que as instituições europeias façam o endosso, ‘endorsement’, do Plano de Ação” que vai “corporizar em iniciativas” os 20 princípios do Pilar dos Direitos Sociais, “”centrados na questão do direito ao trabalho, do combate à discriminação e da melhoria da proteção social”, adianta.
“A ambição da presidência portuguesa […] é que a Cimeira Social [Porto, 07 e 08 de maio] seja um momento em que se faz essa […] ratificação, em que as instituições – o Parlamento Europeu, a presidente da Comissão Europeia, o presidente do Conselho, os parceiros sociais, desejavelmente, as organizações da sociedade civil, se possam encontrar em torno desse plano de ação”, refere.
O objetivo é “fazer uma convergência profunda, de todas as forças institucionais, políticas e sociais da União Europeia para valorizar a dimensão social da União Europeia”.
“Isso já era importante. Na situação que estamos a viver, a importância é maior”, afirma, referindo-se ao profundo impacto económico e social da pandemia.
LUSA/HN
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