Envelhecer como cidadão de pleno direito deve ser novo paradigma

23 de Janeiro 2021

O modelo de lares para idosos está obsoleto e é necessário apostar em cuidados que privilegiem a autonomia, defendem especialistas, que realçam o papel da escola numa mudança geracional que olhe para os mais velhos “como iguais”.

Para José Carreira, mestre em Trabalho Social e pós-graduado em Direito do Envelhecimento e fundador do projeto Envelhecer, é urgente atualizar o modelo obsoleto das estruturas residenciais para idosos, os lares, e criar um novo modelo de cuidados, integrados e individualizados.

“Embora pareça uma utopia, temos de criar um espaço-casa dentro destas organizações. Dar a cada pessoa o seu espaço, intimidade e autonomia, e permitir que continue o seu projeto de vida”, defende o fundador do projeto Envelhecer, que promove um envelhecimento ativo, feliz e saudável.

Além da transformação institucional, defende que é necessário um “novo pacto comunitário, intergeracional” em que reconhecemos e valorizamos os mais idosos como iguais e parte da mesma comunidade.

José Carreira calcula que a mudança poderá começar nas escolas, para que a próxima geração tenha já um novo olhar sobre as pessoas mais velhas, num combate à discriminação.

“Ao atingir a idade da reforma, as pessoas não passam, como que por magia, a estar na prateleira dos inúteis da sociedade. A solução também não é uma intervenção paternalista. O que as pessoas mais velhas precisam é de ser vistas como cidadãs de pleno direito, respeitadas como tal”, afirmou José Carreira.

O especialista observa que até no contexto da atual pandemia de covid-19 há um tratamento que parece apontar para a discriminação dos idosos: “O número de mortes na pandemia é uma brutalidade, e parece que o normalizámos. No início ouvíamos “dez, vinte óbitos” e arrepiávamo-nos. Agora são 200 e parece não passar de um número. Só quando morre alguém com 40 anos é que percebemos que afinal também nos afeta, afinal também morremos”, declarou.

Óscar Ribeiro, investigador nas áreas da psicologia e geriatria, e coordenador do AgeingC do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, também concorda com a urgência da reestruturação das respostas institucionais e da valorização de quem trabalha com os mais idosos.

No entanto, sublinha a importância da família, e do tempo que a família necessita, para uma inclusão bem-sucedida dos idosos e defende que são a pobreza e a falta de suporte familiar os fatores agravantes da marginalização dos mais velhos.

“Estamos a um ritmo frenético, o tempo para interagir com os nossos pais e avós é cada vez menor. Exigimos estruturas de apoio para a população mais velha quando não somos capazes de as providenciar dentro de casa. Temos de repensar que futuro queremos para os nossos velhos, e para nós enquanto velhos”, disse o investigador e psicólogo.

Os centros de dia, uma resposta comum para a ocupação do quotidiano desta população, antes vistos como centros de convívio, são hoje a “antecâmara de uma possível institucionalização, associada às instituições de longa permanência – os lares”.

Numa perspetiva de contrariar a institucionalização como solução dominante, José Carreira entende que o apoio domiciliário deverá ir além dos cuidados mais básicos de saúde e higiene, e incluir o apoio psicossocial, para que as pessoas possam ficar o máximo tempo possível no seu domicílio.

“Os recursos são escassos e continuamos a olhar para as pessoas mais velhas como um custo, e não como um investimento”, disse.

Se nada mudar, e numa sociedade com uma pirâmide etária invertida, a falta de profissionais disponíveis para cuidar de quem precisa será cada vez maior, mesmo após a pandemia.

“Quem é que vai querer fazer carreira de auxiliar num lar? Os salários são baixos, a responsabilidade é brutal, os riscos são enormes, e há uma grande carga emocional e física”, argumentou José Carreira.

O índice de envelhecimento, que contabiliza o número de pessoas com 65 ou mais anos por cada 100 pessoas menores de 15 anos, disparou nas últimas décadas: em 1961 era de 27,5%, crescendo para os 161,3% em 2019, o que se traduz num país com mais idosos do que crianças e jovens, de acordo com dados da Pordata.

Os dados mostram ainda que Portugal piorou no índice de sustentabilidade potencial, definido pela relação entre a população em idade ativa e a população idosa. Em 1961 a relação era de quase um idoso para cada oito pessoas em idade ativa. Em 2019 passou para um idoso para cada três pessoas em idade ativa.

A 14 de dezembro, a Organização das Nações Unidas proclamou a Década do Envelhecimento Saudável, de 2021 a 2030.

“Penso que a principal condição para o envelhecimento ativo, saudável e feliz, seja a pessoa continuar a sentir-se incluída. Sentir que é importante junto de quem gosta e uma mais valia para a comunidade a que pertence”, afirma José Carreira.

Para que Portugal cumpra as metas da Década, dificultadas pela pandemia, como a aposta na investigação sobre envelhecimento saudável e a garantia dos recursos humanos necessários para um sistema de cuidados integrados, José Carreira deixa o apelo para que o Governo promova fóruns de debate com especialistas da área da saúde, da área social, e da investigação.

LUSA/HN

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