O “grande problema” não é voltar a casa para um novo confinamento, mas sim a alteração de rotinas que têm prevalecido nos últimos meses, acredita Miguel Ricou, presidente do Conselho de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos.
“Andamos a alterar rotinas e tentar recuperá-las há mais de 10 meses”, referiu o psicólogo, salientando que o ser humano se “adapta por natureza” às circunstâncias, mas só o faz porque “conhece a realidade”.
“Uma das dificuldades que temos é que conhecemos muito pouco da realidade, não sabemos bem o que aí vem e não sabemos bem quanto tempo dura”, afirmou.
Perante isto, “é fundamental aceitarmos que não nos vamos sentir tão bem nesta altura”.
“Temos de aceitar que andamos mais nervosos, mais tristes à vezes, mais irritados, mais tensos e que isso é normal”, referiu.
As mudanças no estilo de vida das pessoas permanecem e é espetável que “agravem” a condição psicológica dos adultos, defendeu a psicóloga Inês Guimarães.
“A quarentena e o isolamento vão agravar o sofrimento psicológico, porque vão mexer com algumas facetas importantes da saúde mental, como a liberdade pessoal e os nossos movimentos no dia a dia”, explicou.
O “prolongamento” do confinamento, aliado à “incerteza do momento” serão “causadores de ansiedade nas pessoas”, considerou Irene Carvalho, psicóloga e docente na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
“Uma coisa é termos um horizonte próximo que sabermos que termina. Outra, é termos um horizonte próximo que se alarga indefinidamente sem sabermos quando será o fim”, salientou.
Sintomas depressivos, ansiosos e, em alguns casos, de ‘stress’ traumático, são algumas das mazelas que os especialistas admitem que se intensifiquem.
Em particular, naqueles que viram o seu rendimento reduzido ou que ficaram sem emprego, salientou Irene Carvalho, advertindo que para essas pessoas, estar confinado é “extraordinariamente ansioso”.
A par das perdas financeiras, a disrupção do dia-a-dia, a perda de liberdade, as perturbações de sono e o sedentarismo também poderão ser “fatores de risco para um bem-estar emocional e para a doença mental”, disse Inês Guimarães.
Para “mitigar os efeitos negativos”, Irene Carvalho considera desejável que se tentem manter algumas rotinas, ainda que isso “não assegure que as pessoas não vivam a situação com grande ansiedade, frustração e desgaste”.
Para Miguel Ricou, manter as rotinas é importante, primeiro porque “ajuda a gerir o tempo” e, depois, porque “nos distraem de nós próprios”.
Inês Guimarães salientou a importância de se manter uma “conexão com os outros”, sejam amigos ou familiares.
“Distanciamento social não significa necessariamente distanciamento emocional”, reforçou a psicóloga, apontando a necessidade de se procurar “manter algum grau de perspetiva”, especialmente quanto à socialização.
“As pandemias, embora possam ter alguma duração, historicamente acabaram”, afirmou.
E quando acabar a pandemia, será que vamos voltar a socializar sem barreiras? “A história diz-nos que, em princípio, sim”, referiu Irene Carvalho, investigadora do CINTESIS.
Também Miguel Ricou acredita nessa possibilidade, especialmente, porque pertencemos a um país onde o clima é mais quente e as pessoas “são fisicamente conectadas”.
Inês Guimarães também não duvida disso, mas avisa que para um processo “gradual”.
LUSA/HN
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