O cerceamento dos direitos básicos em Moçambique foi hoje tema de debate numa conferência sobre a “Abertura do ano Político 2021: Balanço do Ano Político 2020 e perspetivas para 2021”, promovida pelo Instituto para Democracia Multipartidária (IMD, na sigla em inglês), organização da sociedade civil moçambicana.
Egna Sidumo, pesquisadora do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), uma entidade independente, afirmou que os direitos das populações residentes nos distritos assolados pela ação de grupos armados na província de Cabo Delgado, norte do país, têm sido sistematicamente violados pelo aumento da violência na região.
“O alargamento do raio de ação dos grupos armados tem resultado em deslocamentos forçados de populações nos distritos afetados pela violência”, declarou Egna Sidumo.
A investigadora avançou que o conflito deixou centenas de milhares de pessoas dependentes de assistência humanitária e numa situação de grande vulnerabilidade.
A pesquisadora, também docente universitária, apontou igualmente o impacto da Covid-19, e as medidas de contenção da propagação da doença, como outro fator de limitação dos direitos básicos.
“A imposição de restrições decorrentes do impacto da Covid-19 criou espaço para a limitação de liberdades”, enfatizou.
Fernando Lima, jornalista e gestor de media, criticou “o discurso de ódio” que emergiu da guerra em Cabo Delgado, assinalando que “os jornalistas e os meios de comunicação social” que cobrem o conflito têm sido alvo de intolerância por parte de setores ligados ao Governo.
“Há uma manipulação perigosa contra os jornalistas que falam da guerra em Cabo Delgado, uma manipulação que pretende dar a entender que os jornalistas estão a favor da ação dos grupos armados que fazem decapitações naquela região”, enfatizou Lima.
A pandemia de Covid-19, prosseguiu, destapou as fragilidades de Moçambique em infraestruturas, evidenciando a incapacidade do Sistema Nacional de Saúde e a medicina privada de responder a emergências como a imposta pelo novo coronavírus.
“Esta grande catástrofe pôs a nu as nossas deficiências”, destacou.
Por seu turno, Dércio Alfazema, do IMD, referiu que a Covid-19 afetou a qualidade da democracia moçambicana, porque limitou a participação dos cidadãos na vida política do país e a atividade dos partidos.
“Importantes reuniões dos principais partidos não tiveram lugar em 2020, devido a Covid-19, e a democracia sofreu com isso”, frisou.
António Chiziane, jurista e docente de Direito na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), indicou a queda de Moçambique em gráficos internacionais sobre democracia como um sinal preocupante.
“Os índices sobre corrupção e liberdade de imprensa de 2021 dão conta de um declínio de Moçambique e isso é um retrocesso preocupante”, declarou António Chiziane.
A violência armada em Cabo Delgado, onde se desenvolve o maior investimento multinacional privado de África, para a exploração de gás natural, está a provocar uma crise humanitária com mais de duas mil mortes e 670 mil pessoas deslocadas, sem habitação, nem alimentos.
A violência surgiu em 2017, algumas das incursões foram reivindicadas pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico depois de 2019, mas a origem dos ataques continua sob debate.
Nas províncias de Sofala e Manica, centro do país, ataques armados da Junta Militar, uma dissidência da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), principal partido da oposição, desde agosto de 2018, já provocaram a morte de mais de 20 pessoas e a saída forçada de tantas outras das suas casas.
Moçambique contabiliza 653 mortes por Covid-19 e 59.607 casos de infeção, dos quais 69% são considerados recuperados e 205 estão internados (70% destes na cidade de Maputo).
Lusa/HN
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