Condições de vida em Moçambique degradadas por pandemia e conflito armado

7 de Abril 2021

As medidas contra a pandemia de covid-19 em Moçambique contribuíram para a degradação das condições de vida e a “impunidade continuou generalizada” perante graves violações de direitos humanos, concluiu a Amnistia Internacional num relatório publicado hoje.

O relatório anual, que estudou as situações de direitos humanos em 149 países no ano de 2020, esclarece que as medidas de contenção da pandemia de covid-19 foram “pouco adequadas”, com “força excessiva” da polícia, num país que já vive em crise humanitária devido aos confrontos entre grupos armados, forças do governo e uma empresa militar privada em Cabo Delgado.

A organização não governamental Amnistia Internacional acrescentou que Moçambique teve, no ano passado, uma “escalada da repressão ao direito à liberdade de expressão, caracterizada por intimidação, campanhas de difamação, assédio, prisões arbitrárias e processos contra jornalistas, defensores dos direitos humanos e críticos do governo”.

Segundo o relatório hoje publicado, o estado de emergência em Moçambique, de 30 de março a 06 de setembro de 2020, trouxe riscos ao direito à alimentação, com principal impacto negativo nas pessoas dependentes da economia informal.

“As medidas do estado de emergência foram punitivas e aumentaram a insegurança alimentar em zonas marginalizadas”, lê-se no documento.

“Aqueles que saíram de casa para trabalhar ou procurar comida foram sujeitos à força excessiva por parte da polícia e a maior risco de contrair a covid-19. As autoridades não implementaram medidas de segurança social adequadas para protegê-los da fome e dos problemas de saúde”, concluiu a Amnistia Internacional.

A organização registou ainda um aumento na violência de género em Moçambique, pois as vítimas ficaram presas em casa com parceiros abusivos, devido ao confinamento.

Meninas que não podiam ir à escola, por causa do encerramento de estabelecimentos de ensino, corriam mais riscos de casamentos na infância.

Segundo a Amnistia Internacional, a violência na província de Cabo Delgado intensificou-se ainda mais durante as medidas de confinamento, que “agravaram as condições precárias” no norte do país, uma zona que já vive em crise humanitária.

A organização não governamental referiu que o “grupo armado de oposição conhecido localmente como al-Shabab (…) usou o período para intensificar os ataques”, provocando um conflito armado que já resultou em mais de 2.000 mortes acidentais e deliberadas.

“Ao longo do ano, grupos armados decapitaram civis, incendiaram casas, saquearam aldeias e raptaram mulheres e meninas”, frisou a Amnistia Internacional, acusando também as forças de segurança do governo e “uma empresa militar privada contratada pelo governo em Cabo Delgado” de terem estado “implicadas nos assassinatos”.

O relatório acrescenta que a população afetada pelo conflito não teve apoio suficiente, pois “o governo não forneceu abrigo, comida, água, educação ou serviços de saúde”.

Muitos deslocados foram deixados à própria sorte e “dependeram da boa vontade das famílias locais para lhes dar abrigo em Cabo Delgado e nas províncias vizinhas de Nampula e Niassa”.

A organização aponta o dedo às autoridades moçambicanas também por falta de investigações a potenciais crimes de guerra, execuções extrajudiciais de ativistas, desaparecimento forçado de um jornalista e potenciais crimes pelos membros das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) ou da Unidade de intervenção Rápida.

Segundo a AI, a “impunidade (…) continuou generalizada”, notando que houve muitos casos de crimes ao abrigo do direito internacional e “graves violações e abusos” dos direitos humanos que passaram sem responsabilização.

A Amnistia Internacional relatou também que em junho e julho de 2020 apareceram “provas” fotográficas e videográficas de crimes não investigados pelas autoridades, alegadamente cometidos por soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique e membros da Unidade de intervenção Rápida.

Segundo o relatório, as vítimas, que se supõe, eram combatentes de grupos armados, foram “torturadas, executadas extrajudicialmente, os corpos foram desmembrados e os cadáveres foram aparentemente despejados em valas comuns”.

Os dados recolhidos pela organização indicam que no final de 2020, meio milhão de pessoas estavam deslocadas e mais de 700 mil precisavam de assistência humanitária em Moçambique.

NR/HN/LUSA

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

ULSEDV Promove Primeiro Encontro Conjunto para Cuidados da Mulher e da Criança

A Unidade Local de Saúde de Entre Douro e Vouga organiza a 11 e 12 de novembro de 2025 as suas primeiras Jornadas da Saúde da Mulher e da Criança. O evento, no Europarque, em Santa Maria da Feira, visa consolidar a articulação clínica entre os hospitais e os centros de saúde da região, num esforço para uniformizar e melhorar os cuidados prestados.

Projeto “Com a Saúde Não Se Brinca” foca cancro da bexiga para quebrar estigma

A Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde lançou uma nova temporada do projeto “Com a Saúde Não Se Brinca” dedicada ao cancro da bexiga. Especialistas e doentes unem-se para combater o estigma em torno dos sintomas e alertar para a importância do diagnóstico atempado desta doença, que regista mais de 3.500 novos casos anuais em Portugal.

Maria Alexandra Teodósio eleita nova Reitora da Universidade do Algarve

O Conselho Geral da Universidade do Algarve elegeu Maria Alexandra Teodósio como nova reitora, com 19 votos, numa sessão plenária realizada no Campus de Gambelas. A investigadora e atual vice-reitora, a primeira mulher a liderar a academia algarvia, sucederá a Paulo Águas, devendo a tomada de posse ocorrer a 17 de dezembro, data do 46.º aniversário da instituição

Futuro da hemodiálise em Ponta Delgada por decidir

A Direção Regional da Saúde dos Açores assegura que nenhuma decisão foi tomada sobre o serviço de hemodiálise do Hospital de Ponta Delgada. O esclarecimento surge após uma proposta do BE para ouvir entidades sobre uma eventual externalização do serviço, que foi chumbada. O único objetivo, garante a tutela, será o bem-estar dos utentes.

Crómio surge como aliado no controlo metabólico e cardiovascular em diabéticos

Estudos recentes indicam que o crómio, um mineral obtido através da alimentação, pode ter um papel relevante na modulação do açúcar no sangue e na proteção cardiovascular, especialmente em indivíduos com diabetes tipo 2 ou pré-diabetes. Uma meta-análise publicada na JACC: Advances, que incluiu 64 ensaios clínicos, revela que a suplementação com este oligoelemento está associada a melhorias em parâmetros glicémicos, lipídicos e de pressão arterial, abrindo caminho a novas abordagens nutricionais no combate a estas condições

Alzheimer Portugal debate novos fármacos e caminhos clínicos em conferência anual

A Conferência Anual da Alzheimer Portugal, marcada para 18 de novembro na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, vai centrar-se no percurso que vai “Da Ciência à Clínica”. Especialistas vão analisar os avanços no diagnóstico, novos medicamentos e a articulação entre cuidados de saúde e apoio social, num evento que pretende ser um ponto de encontro para famílias e profissionais

Bayer anuncia redução significativa de marcador renal com finerenona em doentes com diabetes tipo 1

A finerenona reduziu em 25% o marcador urinário RACU em doentes renais com diabetes tipo 1, de acordo com o estudo FINE-ONE. Este é o primeiro fármaco em mais de 30 anos a demonstrar eficácia num ensaio de Fase III para esta condição, oferecendo uma nova esperança terapêutica. A segurança do medicamento manteve o perfil esperado, com a Bayer a preparar-se para avançar com pedidos de aprovação regulatória.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights