Covid-19: pessoas que vivem com VIH enfrentam duplo risco

23 de Julho 2021

Universidade de Oxford inicia ensaios clínicos de vacina contra o VIH

As pessoas que vivem com VIH correm um risco acrescido de complicações graves relacionadas com a Covid-19 e mesmo de morte. No entanto, a grande maioria não tem acesso às vacinas contra a Covid-19, assinala o Relatório Mundial sobre SIDA 2021.

O Relatório Mundial sobre SIDA 2021, apresentado recentemente pela ONUSIDA, destaca o facto de as pessoas que vivem com o VIH serem mais vulneráveis ao SARS-CoV-2. No entanto, são cada vez maiores as  desigualdades que impedem estas populações de aceder às vacinas contra a Covid-19 e aos serviços contra o VIH.

Estudos realizados em Inglaterra e na África do Sul revelaram que o risco de morrer de Covid-19 entre as pessoas que vivem com VIH é duas vezes maior do que o da população em geral. Em julho de 2021, na África subsariana, onde residem dois terços (67%) das pessoas com VIH, menos de 3% da população recebeu pelo menos uma dose da vacina contra a Covid-19. Ao mesmo tempo, os serviços de prevenção e de tratamento do VIH parecem estar a negligenciar os grupos de população-chave, bem como as crianças e os adolescentes.

“As vacinas contra a Covid-19 salvariam milhões de vidas nos países em desenvolvimento, mas ainda não estão a chegar lá, uma vez que os países ricos e as grandes empresas farmacêuticas mantêm o monopólio da produção e o fornecimento de vacinas para obterem lucro”, refere o documento. Isto está a ter um grande impacto em todo o mundo, uma vez que os sistemas de saúde nos países em desenvolvimento estão a entrar em colapso. O Uganda, onde os estádios de futebol estão a ser transformados em hospitais improvisados, é um triste exemplo.

“Enquanto os países ricos da Europa se preparam para aproveitar o Verão, devido ao fácil acesso das suas populações às vacinas contra a Covid-19, o Sul encontra-se numa profunda crise”, referiu Winnie Byanyima, diretora executiva da ONUSIDA. “Não aprendemos as grandes lições que nos deu o VIH, quando a milhões de pessoas foi negado o tratamento que poderia ter salvo as suas vidas e morreram devido a um acesso desigual a esses medicamentos.  E isto é, sem dúvida, inaceitável”.

O novo relatório da ONUSIDA reflete como os confinamentos e outras restrições relacionadas com a Covid-19 perturbaram gravemente o rastreio do VIH. Em muitos países, isso levou a quedas abruptas no diagnóstico do VIH, referenciação para os cuidados de saúde e início do tratamento. Por exemplo, em KwaZulu-Natal, na África do Sul, registou-se uma queda de 48% no rastreio do VIH após o primeiro confinamento, imposto em abril de 2020. Houve também menos novos diagnósticos de VIH e um declínio acentuado do início do tratamento. Isto deve-se ao facto de 28 000 trabalhadores de saúde da comunidade VIH terem passado da deteção do VIH para a despistagem da Covid-19.

O relatório, “Enfrentar as desigualdades”, mostra que os 1,5 milhões de novas infeções pelo VIH em 2020 ocorreram principalmente entre os grupos de população-chave e os seus parceiros sexuais. No ano passado, as pessoas que utilizam drogas injetáveis, mulheres transgénero, trabalhadores do sexo, homens homossexuais e outros homens que fazem sexo com homens, e os parceiros sexuais destes grupos de população-chave, representaram 65% das infeções por VIH a nível mundial. Os grupos de população-chave foram responsáveis por 93% das novas infeções pelo VIH fora da África Subsariana e 35% na África Subsariana. No entanto, continuam a ser marginalizados e, em grande parte, fora do alcance dos serviços contra o VIH na maioria dos países.

Segundo o relatório, muitos dos 19 países que atingiram os objetivos 90-90-90 para 2020 foram líderes na prestação de serviços diferenciados, onde os serviços prestados nas instalações de saúde são complementados por serviços liderados pela comunidade. A maioria colocou também os grupos de população-chave no centro das suas respostas. Na Estónia, por exemplo, a ampliação dos serviços integrais de redução de danos foi seguida de uma redução de 61% a nível nacional das infeções por VIH e de um declínio de 97% nas novas infeções por VIH entre as pessoas que utilizam drogas injetáveis.

O rastreio e o tratamento do VIH aumentaram imenso ao longo dos últimos 20 anos. Cerca de 27,4 milhões dos 37,7 milhões de pessoas que vivem com o VIH já estavam em tratamento em 2020. Contudo, as lacunas na prestação de serviços são muito maiores para as crianças do que para os adultos. Em 2020, cerca de 800 000 crianças com idades compreendidas entre os 0 e os 14 anos que viviam com o VIH não recebiam tratamento para o VIH. A cobertura do tratamento foi de 74% para adultos, mas apenas de 54% para crianças em 2020. Muitas crianças não foram testadas para o VIH à nascença e hoje em dia não conhecem o seu estatuto serológico, o que faz com que seja um grande desafio encontrá-las e proporcionar-lhes os cuidados adequados.

“Confrontar as desigualdades” mostra também que as mulheres e as raparigas da África subsariana continuam a correr um risco mais elevado de infeção pelo VIH: a desigualdade de género e a violência de género são as principais causas deste risco. Privam as mulheres e as raparigas dos seus direitos humanos fundamentais, incluindo o direito à educação, saúde e oportunidades económicas. Isto aumenta o seu risco de infeção pelo VIH e bloqueia o acesso aos serviços de saúde. Na África subsariana, as adolescentes e as mulheres jovens representam 25% de todas as novas infeções pelo VIH, apesar de representarem apenas 10% da população.

A pobreza e a falta de escolaridade também impedem o acesso a serviços de saúde e do VIH. Existem muito menos probabilidades de aceder aos serviços de planeamento familiar para mulheres, e de circuncisão médica voluntária masculina para homens e rapazes. Em 2020, o número de circuncisões médicas voluntárias masculinas diminuiu mais de 30% em 15 países prioritários da África Oriental e Austral.

A pobreza também é um motor da migração. Ora, está demonstrado que a migração afeta gravemente o acesso aos serviços para o VIH e põe em perigo a vida dos migrantes que fogem dos conflitos armados e da pobreza, na esperança de conseguirem proteção e segurança económica.

“Os multimilionários navegam nos seus iates nas mesmas águas mediterrânicas onde os migrantes se afogam”, assinalou Winnie Byanyima. “Como podemos ficar de braços cruzados e deixar que este seja o ‘novo normal’? Temos de fazer frente a estas desigualdades horríveis e voltar a enfatizar o respeito pelos direitos humanos mais básicos e fundamentais”.

As desigualdades nunca ocorrem naturalmente, sublinha o relatório. São o resultado de ações políticas e programáticas que dividem em vez de acrescentar. Por exemplo, os grupos de população-chave são marginalizadas e criminalizadas devido à sua identidade e expressão de género, orientação sexual e meios de subsistência. Uma nova análise incluída no relatório mostra uma correlação positiva entre a melhoria dos resultados do VIH e a adoção de leis que promovam a não discriminação. Um estudo da África subsariana revelou que a prevalência do VIH entre os trabalhadores do sexo era de 39% nos países que criminalizavam o trabalho sexual, em comparação com 12% nos países onde o trabalho sexual estava parcialmente legalizado.

“Há 40 anos que lutamos contra o VIH. Tanto os êxitos como os fracassos ensinaram-nos que não podemos preparar-nos para uma pandemia nem derrotá-la a menos que acabemos com as desigualdades, promovamos abordagens centradas nas pessoas e baseadas nos direitos humanos, e trabalhemos em conjunto com as comunidades para chegar a todos os que necessitam”, referiu Winnie Byanyima.

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