Unidade de Primeira Infância do D. Estefânia tem lista de espera pela primeira vez em 33 anos

15 de Janeiro 2022

A Unidade de Primeira Infância (UPI) do Hospital D. Estefânia, em Lisboa, tem pela primeira vez, em 33 anos, um tempo de espera de três meses para consulta de bebés e crianças, revelou o pedopsiquiatra Pedro Caldeira da Silva.

“O que nós estamos a assistir na primeira infância é uma coisa que não pode acontecer, é termos bebés, crianças pequenas à espera porque não temos mais meios para dar resposta. Isto é gravíssimo, mais vale não fazer nada”, afirmou em entrevista à agência Lusa o diretor da Especialidade de Pedopsiquiatria do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC).

Deu o exemplo do que se está a passar na UPI, onde é chefe de equipa e criou a “consulta dos bebés irritáveis” e a “consulta dos bebés silenciosos”, para apoiar as famílias e promover o diagnóstico precoce na saúde mental.

“Ao longo de 33 anos, gabámo-nos com muita honra de não ter lista de espera, mas desde o verão de 2021, temos três meses de lista de espera”, porque “há bastante mais procura, há uma grande sensibilidade e não há profissionais”.

Uma situação que, segundo o pedopsiquiatra, se passa noutros serviços. “Com todos os colegas que falo as listas de espera estão entre dois e três meses, alguns casos três ou quatro meses e em alguns casos mais”.

Explicou que no primeiro confinamento se observou “uma diminuição drástica” da procura dos serviços e um relato de que as crianças até melhoraram bastante, mesmo as crianças com patologia.

Mas, em 2021, sobretudo a partir do verão, houve “um aumento de casos de ansiedade e depressão nos mais velhos e um aumento muito grande da procura por suspeita de casos de perturbação do espectro do autismo nos muito pequeninos”.

“Isto verificou-se não só no nosso serviço como no conjunto de serviços com quem eu tenho falado”, adiantou, sublinhando que os serviços de saúde estão “muito, muito desfalcados”, sobretudo de técnicos, terapeutas e psicólogos.

Médicos e enfermeiros vão “havendo sempre”, apesar de “sempre em carência”, mas “os técnicos, terapeutas, psicólogos, isso ninguém contrata porque pela lógica de financiamento do Serviço Nacional de Saúde esses não dão dinheiro nenhum aos hospitais”, criticou.

Na entrevista, Pedro Caldeira da Silva falou ainda do “efeito perverso” de chamar-se “muito a atenção” para a saúde mental infantil.

“É preciso ter muito cuidado porque este efeito de aumentar a sensibilidade e depois não haver resposta é completamente perverso, é muito perigoso”, advertiu.

Alertou também para os efeitos de quando se fala muito sobre o aumento de quadros de depressão e ansiedade nos jovens, notando que faz subir os casos.

“É como se fosse uma licença para adoecer, para manifestar os seus próprios sentimentos”, explicou, comparando esta situação com o fenómeno do suicídio.

Quando se noticia que algum famoso se suicidou aumentam os números de suicídio, exemplificou, advertindo que tem de se “ter cuidado” na abordagem destas questões.

Pedro Caldeira da Silva lamentou ainda que a saúde mental infantil e juvenil seja “o parente pobre da saúde mental”.

“Este modo que temos de viver sob a asa da psiquiatria de adultos não nos beneficia nada, só nos prejudica e ficamos com os restos, dos restos”, vincou.

A pedopsiquiatria é “uma especialidade autónoma, independente, com metodologias, diagnósticos e intervenções próprias e que tem, ou teria, uma responsabilidade social fundamental na prevenção e na promoção de um crescimento saudável e, portanto, na diminuição das doenças na idade adulta”.

Portanto, frisou, “não podemos continuar assim a comer as migalhas ou a achar que são os psiquiatras de adultos que nos vão dar peso específico porque nós somos muito poucos. Isto tem que acabar”.

“Se se quer falar da saúde mental infantil a sério tem que haver autonomia da saúde mental infantil”, concluiu.

LUSA/HN

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