Cabo Verde avança com legislação para permitir colheita e transplante de órgãos

7 de Fevereiro 2022

O Governo de Cabo Verde apresentou ao parlamento uma proposta de lei de doação, colheita e transplante de órgãos, gratuita e que “em caso algum” pode “envolver negociação comercial ou influência económica, sob pena de crime”.

“A palavra de ordem é o livre consentimento, no sentido de que a doação de órgãos e tecidos é livre, tendo o doador o direito de decidir livremente sobre a sua vontade de realizar a doação, mas para isto ele deve ser bem informado pelo médico sobre os procedimentos, os riscos e as consequências, prezando sempre pelo bem de todos e da vida”, lê-se na proposta de lei que a Assembleia Nacional discute na sessão plenária de 09 a 11 de fevereiro.

De acordo com a proposta aprovada em Conselho de Ministros, a que a Lusa teve hoje acesso, “é proibida a remuneração pela dádiva ou colheita de órgãos, tecidos e células de origem humana, para fins terapêuticos ou de transplante”.

Também define que “fica proibida a comercialização de órgãos, tecido e células humanas, sob pena de crime”: “As atividades desenvolvidas pelas unidades de colheitas de órgãos, tecidos e células, não tem animo de lucro, devendo haver em exclusivo a compensação pelos gastos derivados da sua atividade”.

A proposta refere que “são admissíveis a dádiva e a colheita em vida de órgãos, tecidos ou células regeneráveis, de origem humana para fins terapêuticos ou de transplante”.

“A colheita de órgãos e tecidos de uma pessoa viva só deve ser feita no interesse terapêutico do recetor e desde que não esteja disponível qualquer órgão ou tecido adequado colhido de doador ‘post mortem’ e não exista outro método terapêutico alternativo de eficácia comparável”, acrescenta.

São considerados “potenciais doadores” em situação de ‘post mortem’ “todos os cidadãos nacionais e os apátridas e estrangeiros residentes em Cabo Verde que não tenham manifestado junto dos serviços centrais da saúde a sua qualidade de não doadores”.

No seu preâmbulo, a proposta de lei recorda, a título de exemplo, que o transplante renal “é já um tratamento consolidado em vários países” e que “pode tornar-se uma realidade em Cabo Verde, como uma melhor alternativa ao doente jovem, devolvendo-lhe toda a sua autonomia social”.

Acrescenta que em 2014 foi inaugurado em Cabo Verde o primeiro centro de diálise, “interrompendo as evacuações dos doentes portadores de doença renal crónica”, até então tratados em Portugal. Os doentes tratados naquele centro, no Hospital Doutor Agostinho Neto, na Praia, passaram de 57 em 2014 para 168 em 2018, recorda igualmente a proposta legislativa.

“Assim sendo, torna-se imperativo pensar noutra opção terapêutica para este grupo de doentes que não apenas a diálise e é, pois, neste contexto que existe a necessidade de iniciação do processo de transplante renal, como tratamento substitutivo renal, por ser uma alternativa que oferece melhor qualidade de vida àqueles que se submetem a tal tratamento e que apresenta menos custos e melhor taxa de sobrevida aos doentes portadores de doença renal crónica”, lê-se ainda.

A proposta de lei levada pelo Governo ao parlamento prevê que no caso de dádiva e colheita de órgãos ou tecidos não regeneráveis “a respetiva admissibilidade fica dependente do parecer favorável, emitido pela Entidade de Verificação da Admissibilidade da Colheita para Transplante (EVA)”, a criar, e “são sempre proibidas a dádiva e a colheita de órgãos ou de tecidos não regeneráveis quando envolver menores e incapazes, salvo autorização judicial”.

Também fica previsto que a dádiva de tecidos ou de células regeneráveis envolvendo “menores ou outros incapazes” só devem ser efetuadas em situações de inexistência de doador capaz compatível, em que o recetor seja parente em linha reta e até segundo grau na linha colateral, e que a dádiva seja “necessária à preservação da vida do recetor”.

“Tratando-se de doadores menores, o consentimento, para efeitos do número anterior é prestado pelos pais, desde que não estejam inibidos do exercício do poder parental, ou, em caso de inibição ou falta de ambos, mediante autorização judicial”, estabelece igualmente a proposta.

“A dádiva e a colheita de órgãos ou tecidos não regeneráveis, que envolvam estrangeiros sem residência permanente em Cabo Verde, só podem ser efetuadas mediante autorização judicial”, acrescenta.

A proposta de lei permite ainda que os órgãos e tecidos possam “ser enviados para o estrangeiro a fim de permitir o transplante de órgão, que pela sua complexidade não seja possível realizar no país”.

Fica igualmente previsto que “as pessoas presumivelmente sãs e que tenham falecido em acidente ou como consequência ulterior deste” são consideradas doadores se não constarem do Registo Nacional de Não Doadores (RENNDA), “ou se não houver oposição expressa do falecido”.

Será paralelamente criada a Entidade de Verificação da Admissibilidade da Colheita para Transplante (EVA), a quem cabe a “emissão de parecer vinculativo em caso de dádiva e colheita em vida de órgãos, tecidos ou células de origem humana para fins terapêuticos ou de transplante”, funcionando na dependência e como secção do Comité Nacional de Ética em Pesquisa para a Saúde (CNEPS).

Por último, fica também prevista a criação, ao abrigo da nova legislação, de uma Unidade Nacional de Colheita (UNC) para a colheita de órgãos, tecidos e células de origem humana.

LUSA/HN

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