É mais difícil esquecer os disparates do que os sucessos.
É o que penso sobre as afirmações do Ministro Manuel Heitor, então Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (?) em finais de 2021, em entrevista a um jornal de Lisboa.
Especialmente graves por ser membro do Governo e responsável pelo acesso às Universidades.
Refiro-me ao que disse sobre o processo formativo dos especialistas em medicina geral e familiar (conhecidos por médicos de família) e à falta, para ele, de médicos em Portugal.
Desde logo, ignorando que Portugal é o terceiro país com mais médicos no rácio por habitantes. Os dados são da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
E ao contrário do que vários interesses e governantes têm defendido, designadamente quanto à intenção continuada de alargar o numerus clausus no acesso às escolas médicas, o que sabemos é simples:
– O país forma novos médicos acima da média da OCDE, isto é, mais de 16 por cada 100 000 habitantes;
– Concluídos os seis anos da fase pré-graduada, os jovens médicos precisam de aceder à pós-graduação, a especialidade, a qual depende do quadro de vagas determinado pelo Ministério da Saúde;
– E o que se constata? Centenas de médicos não conseguem ingressar para a sua especialização, engrossando um caudal de médicos não diferenciados que o País desperdiça e que o Governo teima em fazer crescer!
E os políticos e decisores mentem ao País quando invocam a falta de médicos no interior do País, novamente, como se a heterogeneidade da distribuição de profissionais diferenciados e capazes fosse um problema exclusivo dos médicos. E pior que isso veja-se o exemplo dos médicos de família – os tais que o Ministro Manuel Heitor sugere que possam beneficiar até duma formação abreviada – que faltam de forma marcadíssima, tornando a ARS de Lisboa e Vale do Tejo em região carenciada, ao lado da mega capital Lisboa!
Mas deixemos de lado as questões da quantidade, demonstrado que o problema não está do lado das escolas médicas existentes, nem dos jovens médicos formados.
Passemos à qualidade.
O SNS tão louvado e esquecido, tão lembrado e tão maltratado, tão elogiado e tão desprovido de estratégia de longo prazo, deveria ter como desígnio reforçar e estimular a sua primeira linha, os Cuidados Primários de Saúde e a sua rede de médicos e enfermeiros de família!
Mas não e viu-se como o número de cidadãos, de utentes sem médico de família atribuído, cresceu nestes últimos 3 ou 4 anos.
E ouve-se e lê-se as queixas dos mesmos cidadãos sobre as questões que reduzem, limitam ou impedem o funcionamento desejável dos Cuidados Primários.
Não venham com o estafado argumento da Pandemia e muito menos com o das responsabilidades dos governos anteriores.
Ao invés do que dizia o tal Ministro, os médicos de família deveriam merecer uma aposta renovada na qualidade da sua formação, tendo por objectivo a garantia de um padrão elevado de dispensa de cuidados assistenciais. E isso significa investimento numa maior abrangência científica e clínica em quem, precisamente por não ser especialista em uma única área do conhecimento médico, justifica que apreenda para além dos horizontes limitados de quem ignora o que deve ser a Medicina Geral de Familiar!
E para um Governo, qualquer Governo, seria bom que a Formação fosse igualmente um desígnio capaz de nos abrigar das fraquezas, das ignorâncias e do primitivismo das suas ideias e conceções.
Não é preciso inventar nada, porque em muitos outros países estão à vista as soluções e os projetos testados, comprovados e em funcionamento.
Ficou provado, também com a Pandemia, que não foram os profissionais de saúde e menos ainda os médicos, que falharam as suas obrigações, responsabilidades e respeito pelos concidadãos!
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