Segundo o Relatório de Vigilância e Monitorização da Tuberculose em Portugal relativo a 2020, esta sexta-feira divulgado, prevê-se nos próximos anos um recrudescimento do número de casos de tuberculose, associado à deterioração das condições económicas e sociais, ao aumento na demora nos dias até ao diagnóstico e ao risco de formas mais graves com consequente maior morbilidade e mortalidade.
Em declarações à agência Lusa, a responsável pelo Programa Nacional para a Tuberculose, Isabel Carvalho, reconheceu que a mediana de dias até ao diagnóstico “tem vindo a aumentar paulatinamente”, mas sublinhou que 2/3 desses dias são atribuídos ao doente na procura de cuidados de saúde – dificultada pela pandemia – e na valorização de sintomas.
“Temos uma mediana de 15 dias atribuída aos profissionais de saúde. Desde que o doente entra em qualquer estrutura de saúde por estas queixas [até ter o diagnóstico], 2/3 é atribuído ao doente”, explicou.
A responsável disse ainda que vai existir sempre uma conjugação de fatores a influenciar o atraso no diagnóstico, exemplificando: “por um lado, a menor literacia da população em relação a tuberculose, à medida que a doença vai baixando a sua incidência, por outro, a dificuldade no acesso, sobretudo em populações vulneráveis, como os sem-abrigo ou os migrantes”.
“Estas pessoas precisam de estratégias comunitárias ou sociais que permitam o melhor acesso possível”, defendeu, dando o exemplo do trabalho que a Direção-Geral da Saúde (DGS) tem desenvolvido na abertura de concursos (para apoio financeiro) para organizações de base comunitária.
Nestes casos – acrescentou – “são escolhidas as áreas geográficas de maior incidência, são identificadas as populações mais vulneráveis e em que possa ter mais impacto delinear e atuar com novas estratégias especificamente dirigidas”.
Na nota introdutória do relatório, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, defende que a “desaceleração na redução percentual anual da doença, associada a uma diminuição abrupta do número de casos em 2020 e ao aumento da mediana de dias até ao diagnóstico reforçam a necessidade de definir novas estratégias e monitorizar resultados”.
O relatório lembra que, apesar da pandemia, durante o ano de 2020 os Centros de Diagnóstico Pneumológico (CDP) se mantiveram em funcionamento.
“Manteve-se a gratuitidade do rastreio, diagnóstico e tratamento, assim como a concentração dos doentes complexos em Centros de Referência e a articulação com as diferentes estruturas dos cuidados de saúde, comunitárias e sociais”, acrescenta.
O documento alerta para o facto de a tendência crescente na media de dias até ao diagnóstico resultar num diagnóstico mais tardio e num maior risco de contagiosidade, mas lembra que, em contexto de pandemia de Covid-19, as medidas adotadas para contenção da transmissibilidade, nomeadamente o uso de máscara e o distanciamento social, “poderão ter representado um fator importante na contenção de casos secundários”.
O maior número de dias até ao diagnóstico observou-se nas pessoas que vivem em situação de sem-abrigo, “o que reforça o impacto da pandemia nos mais vulneráveis e o papel essencial da parceria com estruturas comunitárias e sociais, nomeadamente as organizações não-governamentais”, sublinha.
“A proporção de casos de tuberculose nos mais vulneráveis representa 59,0% dos casos notificados, pelo que o impacto das medidas de promoção do rastreio nestes grupos, oferecendo um tratamento preventivo, será mais eficaz na prevenção de futuros novos casos”, refere o relatório.
O documento reconhece igualmente que o diagnóstico tardio e a necessidade de direcionar recursos para a Covid-19 “condicionou também a capacidade de resposta das Unidades de Saúde Pública”, essenciais na realização do inquérito epidemiológico e na identificação dos contactos com necessidade de rastreio e eventual tratamento preventivo, assim como “reforçou a importância dos CDP [Centros de Diagnóstico Pneumológico] no processo de contenção da doença”.
Como metas para 2022, os responsáveis apontam a manutenção da tendência decrescente da taxa de notificação, a redução do número de dias até ao diagnóstico, a melhoria da atuação nos grupos vulneráveis, promovendo a articulação com as estruturas comunitárias e sociais, e da prestação de cuidados de saúde em tuberculose, privilegiando uma resposta centrada no doente.
A diretora do Programa Nacional para a Tuberculose aponta também a necessidade de mudar de estratégicas, face à ameaça que a pandemia representou para a necessidade de redução progressiva da incidência da doença nos vários países.
“A OMS veio reforçar a necessidade de mantermos estratégias de tratamento preventivo (…), centradas no doente e inseridas na comunidade. Tem de ser de acordo com as necessidades do doente, para que haja uma maior promoção da adesão ao tratamento e ao rastreio, para que não seja complexo manter um tratamento tantos meses e para que seja possível, ao ter sucesso, não desenvolver resistências”, insistiu Isabel Carvalho.
A especialista alertou ainda para a necessidade do “envolvimento de todos”. “A verdade é que a doença tem tratamento eficaz, mas ele será tão mais eficaz quanto mais precoce”, concluiu.
LUSA/HN
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