Autarcas lamentam inação face a alertas da Declaração do Rivoli sobre descentralização

30 de Março 2022

Os presidentes de Câmara do Porto, Braga e Alcácer do Sal lamentaram que os alertas que subscreveram, em 2020, na Declaração do Rivoli, pedindo o adiamento da descentralização devido aos seus impactos financeiros, não tenham sido ouvidos.

Proposto em janeiro de 2020, pelo presidente da Câmara do Porto, o independente Rui Moreira, numa conferência sobre os caminhos da descentralização que juntou à mesma mesa vários autarcas, o documento foi assinado por 28 autarcas de norte a sul do país.

Conhecido como a Declaração do Rivoli, pedia ao Governo a suspensão imediata da obrigatoriedade prevista na lei para a transferência de competências a partir de 2021, defendendo a retoma do processo negocial.

Dois anos depois, Moreira diz que “não mudou nada, pelo contrário”.

“O Governo […] passou para os níveis intermédios, para as direções regionais e para direções gerais esta competência e essas autoridades naturalmente não querem perder nada, querem ficar com o dinheiro e libertar-se da despesa e, portanto, se alguma coisa aconteceu, é que ficou pior”, afirmou o autarca do Porto, que na sexta-feira avançou com uma providência cautelar para tentar travar a descentralização em áreas como a Educação e a Saúde, competências que não foram aceites pela autarquia que lidera.

Após vários adiamentos, a transferência definitiva e obrigatória de competências nas áreas da Educação, Saúde e Ação Social estava prevista acontecer a partir de 01 de abril de 2022, contudo, em fevereiro, o Governo aprovou a possibilidade de os municípios requererem a prorrogação do prazo, até 01 de janeiro de 2023, para a Ação Social.

No caso da Educação, a transferência é automática, já na Saúde esta só se materializa após assinatura dos autos de cessão.

Alertando que para o município do Porto a assunção das competências nestas duas áreas e na Ação Social, cuja recusa do município atirou a sua transferência para 2023, representará uma verba anual na ordem dos 20 milhões de euros, o independente classificou como uma “teimosia” a decisão do Governo de, a partir de 01 de abril, obrigar os municípios assumirem competências, fazendo um paralelismo com o tempo de Salazar.

“Um negócio é suposto ter a vontade de ambas as partes, isto é imposto. Eu ainda me lembro do tempo de Salazar. Nessa altura, de facto, era assim, os presidentes de câmara tinham de obedecer”, afirmou, salientando que os municípios estão a ser obrigados a assumir dívida e responsabilidades laborais que podem condenar os territórios do interior e de baixa densidade à falência.

Também o autarca de Braga, o social-democrata Ricardo Rio, que se juntou ao grupo de municípios que reclamou a suspensão imediata da descentralização, afirmou que os alertas deixados subscritores da Declaração foram “inconsequentes”, defendendo que um processo destes deve ter garantidos mecanismos de compensação, sob pena de violar “completamente o espírito de lealdade institucional”.

“Admito que, no plano político, possa ter havido por parte de alguns responsáveis um menor entusiasmo até, mas depois do ponto de vista das próprias estruturas, nem sempre terá existido a colaboração com o Governo para agilizar esses mesmos processos”, defendeu, considerando que, dois anos passados da Declaração do Rivoli se mantêm reservas, nomeadamente de natureza financeira, com o endosso de responsabilidades sem o adequado envelope financeiro.

Relevando que a câmara que lidera aceitou apenas no início deste ano competências ligadas com “o licenciamento dos jogos de sorte e azar” e “contraordenações”, Ricardo Rio assumiu ainda que, ao contrário da Educação, não assumirá as competências na Saúde enquanto não forem revistas as verbas propostas.

Ouvido pela Lusa, também o presidente da Câmara de Alcácer do Sal, no distrito de Setúbal, o comunista Vítor Proença, considerou que o Governo “não ligou nenhuma àquilo que foi discutido e aprovado no Rivoli” no que respeita à transferência de competências “nas áreas da Educação, Ação Social, Saúde, Património e Centros históricos”.

Para o autarca “não foram disponibilizados” aos municípios “os meios e recursos indispensáveis para uma boa descentralização”, como é exemplo a transferência de competências na área da Educação, cujos valores apurados para os vencimentos e encargos com o pessoal das escolas reportam a 2019, estando desatualizados.

O município passa a ter “um encargo por ano na ordem de 1,4 milhões de euros e o Governo transfere apenas do Orçamento de Estado uma verba que não chega a um milhão de euros”, revelou o autarca que considera que o processo de descentralização “está todo inquinado” e foi “um embuste completo”.

LUSA/HN

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