Cerca de dois terços dos enfermeiros já consideraram mudar de profissão

6 de Maio 2022

Quase dois terços dos enfermeiros já consideraram mudar de profissão devido às condições de trabalho e seis em cada 10 têm que fazer horas extraordinárias devido aos baixos salários, revela um estudo nacional hoje divulgado.

O Estudo Nacional sobre as Condições de Vida e de Trabalho dos Enfermeiros em Portugal decorreu nos últimos dois anos e envolveu mais de 7.000 enfermeiros, tendo analisado, entre outros aspetos o nível de desgaste destes profissionais, o “burnout”, o assédio moral e o ordenado.

“Mais de 60% dos enfermeiros já pensaram abandonar a profissão porque estão completamente desmoralizados com as suas condições de trabalho”, disse à agência Lusa a professora e historiadora Raquel Varela, que apresentou hoje no congresso da Ordem dos Enfermeiros (OE), em Braga, as principais conclusões do estudo desenvolvido em parceria entre a Universidade Nova, o Instituto Superior Técnico e o Observatório para as Condições de Vida e Trabalho para a OE.

Raquel Varela realçou que “60% dos enfermeiros para sobreviver aos baixos salários têm que fazer horas extraordinárias permanentemente”, sendo que 16% trabalha 70 horas ou mais por semana e um quarto dos profissionais 55 horas.

Para a coordenadora da investigação, os resultados do estudo mostram “um cenário de emergência nacional” ao apontarem que 65% dos enfermeiros dizem sentir-se sempre, ou várias vezes por semana, fisicamente exaustos.

“Nós temos um nível de exaustão e uma força de trabalho a ser exaurida, a ser desgastada, com um horário de trabalho semelhante àquele que se falava no século XIX para a Revolução Industrial”, comentou.

Por outro lado, apontou, o rendimento da maioria dos enfermeiros não é adequado. A esmagadora maioria aufere até 1.500 euros brutos, sendo que 59% são licenciados e 34% são especialistas.

Cerca de 23,5% dizem recorrer a uma segunda atividade dentro da sua profissão para completarem os seus rendimentos.

“A resposta aos baixos salários tem sido a sobrecarga de trabalho, assumindo com regularidade horas extraordinárias, o que evidentemente nem o corpo nem a mente aguenta. Nós conseguimos trabalhar de forma excecional e sob pressão alguns dias não é sistematicamente”, sublinhou Raquel Varela.

A maioria dos inquiridos, vincou, “nem sequer tirou 12 dias de férias no último ano. Trabalha nas férias, trabalha nas pausas, trabalha nas folgas, trabalha de manhã, trabalha à noite. Isto é completamente insustentável”.

Segundo o estudo, 76% dos inquiridos dizem sentir falta de mais intervalos, 71% não conseguem descansar efetivamente nas folgas, sendo que “um número importante de enfermeiros (7.387) não goza sete dias seguidos de férias há mais de 350 dias”.

Revela ainda que 65% dos inquiridos exerce no setor público e em contexto hospitalar. Têm horário rotativo (57%) e trabalham por turnos (74%), com uma percentagem elevada de trabalho noturno (60%).

Outra conclusão da investigação indica que 31% dos enfermeiros consideram ter sofrido de assédio moral.

Para Raquel Varela, estes dados mostram a “falta de reconhecimento da tutela e das hierarquias, com o assédio moral generalizado como forma de gestão, com desigualdades que não permitem a constituição de equipas e cooperação nos locais de trabalho”.

A investigação revela ainda que 67% dos enfermeiros não gostavam que um filho ou filha seguisse a sua profissão, metade não recomendariam a vida de enfermeiro a um amigo e 66% não consideram a sua remuneração aceitável.

“Há muitos casos em que as pessoas fazem o mesmo e ganham, diferentemente, o que cria situações de grande injustiça”, lamentou Raquel Varela.

LUSA/HN

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