Crise alimentar avizinha-se e preços vão agravar situação

5 de Junho 2022

A agência alemã de ajuda humanitária Welthungehrilfe alerta para uma crise de fome que se avizinha em todo o mundo e diz que o aumento sem precedentes do preço dos alimentos vai agravar a situação.

Em entrevista à agência Lusa, a conselheira sénior de política da organização, Anne-Catrin Hemmel, explicou que, “mesmo antes da guerra na Ucrânia, o número de pessoas famintas em todo o mundo estava a crescer a um ritmo constante devido às alterações climáticas, a guerras e às consequências da pandemia de covid-19”.

No entanto, o bloqueio das exportações de cereais da Ucrânia e da Rússia e grande escassez de fertilizantes essenciais – provocados pela guerra – “já estão a ter um impacto adverso dramático e vão agravar ainda mais o estado global da nutrição”.

A responsável lembrou que o secretário-geral da Welthungerhilfe já admitiu que as perspetivas “são sombrias” e que a sobreposição de crises torna a situação muito perigosa.

“Só no corno de África [península da Somália] há cerca de 15 milhões de pessoas que correm o risco de fome aguda devido à seca severa e ao aumento dos preços da comida”, referiu Anne-catrin Hemmel

A Welthungerhilfe, agência que produz, todos os anos, um Índice Global da Fome avisou, na edição de 2021, que o combate à fome está perigosamente aquém dos seus objetivos.

“Já em 2021 havia 811 milhões de pessoas que não tinham o que comer”, adiantou à Lusa a conselheira da agência alemã, lembrando que esse número já é de outubro.

“De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o número de pessoas desnutridas em todo o mundo – se houver uma interrupção prolongada das exportações de trigo, fertilizantes e outros itens da Ucrânia e da Rússia – pode aumentar em entre oito e 13 milhões de pessoas em 2022/23”, sobretudo “na região da Ásia-Pacífico, seguida pela África subsaariana, Médio Oriente e Norte da África”.

Para esta analista, a resposta à situação atual tem de passar pela ajuda humanitária, nomeadamente aumentando o poder de compra das pessoas mais pobres, ampliando a distribuição de alimentos, incluindo das refeições escolares, e reduzindo, através de financiamento, a diferença dos preços que mais subiram.

Além disso, adiantou, “é preciso garantir a disponibilidade de alimentos em regiões de insegurança alimentar, mantendo as cadeias de abastecimento agrícolas e assegurando acesso aos alimentos”, e “prevenir, a todo o custo, os défices das colheitas, facilitando o acesso, em particular dos pequenos agricultores, a sementes, fertilizantes e combustível”.

Por outro lado, Anne-Catrin Hemmel sublinha ser imprescindível que se “evitem restrições à exportação de alimentos, combustível, sementes e fertilizantes”.

A situação de atual bloqueio dos portos da Ucrânia, que reduziu substancialmente as exportações de cereais daquele país, considerado um dos principais produtores mundiais, é condenada veementemente pela organização.

“Foi relatado que os bloqueios russos impedem que navios zarpem com trigo, milho e outras exportações. As forças russas também foram acusadas de roubar cereais e de destruir deliberadamente armazéns na Ucrânia. Portanto, testemunhamos a fome a ser usada como arma [de guerra] e condenamos, nos termos mais fortes, qualquer violação dos direitos humanos em geral e do direito humano à alimentação em particular”, afirmou.

Por outro lado, a responsável defendeu a necessidade de fortalecer os sistemas alimentares regionais e de apoiar a diversificação, sobretudo nos países do hemisfério sul, onde há mais insegurança alimentar.

Até porque, alertou a consultora de políticas, é sabido que a fome e a insegurança alimentar desencadeiam, muitas vezes, agitação social e violência.

“Vemos semelhanças entre a situação atual e os preços crescentes dos alimentos em 2007 e 2008 que levaram a ‘motins alimentares’ em todo o mundo”, afirmou, explicando que isso acontece também porque os desafios do acesso a alimentos foram agravados pela pandemia.

“No início de 2011, depois de os preços dos alimentos terem atingido um pico em 2007/2008, o mundo testemunhou uma onda sem precedentes de revoltas políticas no Médio Oriente, conhecida como ‘Primavera Árabe’, quando manifestantes marcharam, da Tunísia ao Egito e ao Iémen, exigindo a queda dos regimes”, recordou Anne-Catrin Hemmel.

Também hoje, “além das preocupações humanitárias, surgem receios de que o aumento do preço dos alimentos, na sequência da pandemia e das secas severas, possa desencadear distúrbios civis”, concluiu.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Malária matou 31 angolanos por dia em 2024

A malária matou 11.447 pessoas em Angola em 2024, uma média de 31 mortes por dia em quase 12 milhões de casos notificados no ano passado, anunciaram hoje as autoridades angolanas, garantindo investimentos na prevenção e tratamento.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights