“Há uma impulsividade dos adolescentes que veio de certa maneira colmatar o isolamento, a frustração social de afastamento dos outros e que os prejudicou imenso e fez sofrer muito”, disse à agência Lusa a médica Maria São José Tavares, coordenadora do Aparece – Saúde Jovem, que abriu portas há 23 anos, em Lisboa, para dar resposta aos problemas específicos dos jovens.
No Aparece, que funciona no Centro de Saúde de Sete Rios, a equipa constituída por médicos, uma psicóloga e uma enfermeira está a observar o reflexo de todos os problemas relatados nos estudos sobre o impacto da pandemia nos jovens.
“Temos jovens com muito sofrimento e muitos deles com depressões graves”, disse a médica, comentando que “muitas coisas” mudaram nos jovens em resultado da pandemia que teve “um impacto enorme” nas suas vidas.
Maria São José Tavares sublinhou que “os adolescentes não podem ter vidas paradas. Têm que se mexer, estar ativos”.
Como resultado desta paragem forçada, houve jovens no Aparece que aumentaram 20 quilos num ano. “Os problemas de comportamento alimentar aumentaram imenso, nomeadamente excesso de peso, obesidade e anorexia nervosa”, frisou.
Este problema também foi relatado pela enfermeira Manuela Santos, que observa os jovens antes da consulta médica. Além do excesso de peso, muitos jovens também apresentavam um aumento da tensão arterial.
Neste momento, disse Manuela Santos, “já estão a voltar ao que eram, mas alguns com dificuldade”.
Relatou também “situações muito complicadas” relacionadas com o regresso à escola após os confinamentos.
“Sentiram-se um bocado enfiados em casa, quase como se estivessem no gueto, e depois para sair houve alguns com ataques de pânico e com crises de ansiedade, porque estavam naquela bolha”, disse a enfermeira que está desde 2013 no Aparece.
Há vários anos a acompanhar os adolescentes no Aparece, a psicóloga Elsa Mota sustenta que os impactos foram mais acentuados nos jovens que já não tinham uma ligação forte com a escola.
“Os jovens que já não viam sentido na escola, mesmo do ponto de vista social, com a pandemia acabaram por ver isso reforçado e foi difícil voltarem a estar na escola”, adiantou a psicóloga, referindo que tiveram pedidos de ajuda de muitos jovens que estavam com “imensa dificuldade” em retomar as suas atividades do dia-a-dia.
Maria de São José Tavares recordou, por seu turno, que havia jovens que diziam: “sofremos por estarmos em casa e agora não estamos a conseguir ir para a escola”.
“Nunca como nestes dois últimos anos letivos tivemos tantas dificuldades de integração e tantas crises de ansiedade na escola”, disse a médica, convicta de que tudo isto “deixou uma marca fortíssima” nos jovens.
A nível da saúde mental, observou-se um aumento da ansiedade, da depressão, dos comportamentos autolesivos e delinquentes.
“As situações depressivas aumentaram muito por todos estes contextos e muitas delas também foram agravadas pela instabilidade dos pais, nomeadamente pelo desemprego”, disse a coordenadora.
Também se observou um aumento de todos os consumos, desde canábis, álcool, aos audiovisuais. “Tiveram uma exacerbação durante o período pandémico e estão neste momento numa fase decrescente”.
A médica realçou a dependência dos audiovisuais: “É epidémico”. Contudo, ressalvou, “os pais não podiam fazer muito” porque as crianças e os adolescentes estavam em casa e tinham que se ocupar com alguma coisa.
“Tiveram um tempo exagerado de audiovisuais (…) muitas das situações de abuso conseguiram reverter-se outras mantêm-se”, lamentou.
Durante este período, aumentaram as referenciações dos jovens do Aparece para o serviço Pedopsiquiatria, mas os tempos de espera para as consultas também aumentaram.
“Felizmente temos muito treino na área da saúde mental e conseguimos ter os nossos adolescentes bem controlados, bem medicados, bem contidos, com consultas com uma periodicidade muito grande, e é possível aguentar esta espera da pedopsiquiatria”, salientou.
Muitos deles quando chegam à consulta de pedopsiquiatria já estão bem, salientou a coordenadora e impulsionadora do Aparece.
LUSA/HN
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