Jaime Branco: “Governo degrada Medicina Geral e Familiar”

4 de Julho 2022

A proposta do Governo de contratar médicos indiferenciados para os Cuidados de Saúde Primários (CSP) é “uma medida que degrada a Medicina Geral e Familiar” (MGF), considera o candidato a Bastonário da Ordem dos Médicos, Jaime Branco.

“O Ministério da Saúde demonstra um enorme desconhecimento sobre a prática da MGF, que requer treino, formação na especialidade durante quatro anos e uma preparação integrada nas unidades de saúde familiar”, descreve Jaime Branco. A crítica dirige-se à nova Lei do Orçamento do Estado para 2022, que entrou em vigor a 28 de junho e que no artigo 209.º propõe a hipótese de “a título excecional” se contratarem a termo incerto médicos sem especialidade para unidades de saúde com uma taxa de cobertura de médico de família inferior à média nacional.

“Estes colegas sem especialidade poderiam ajudar outros médicos, nas urgências, por exemplo. Mas sempre integrados em equipas com direção clínica e nunca assumindo o papel de um especialista, neste caso um MGF, como propõe o governo”, diz o candidato a bastonário, exemplificando que “poderiam ser contratados para ajudar médicos seniores em múltiplas tarefas clínicas e não clínicas, como certificados de saúde e ou doença, mas também no diagnóstico precoce e na vigilância de algumas doenças crónicas. Não podem é fazê-lo sem supervisão, sozinhos e com inteira responsabilidade sobre 1.900 utentes a seu cargo, como prevê o Governo.”

“Com mais este remendo num problema estrutural (como assumiu o próprio Primeiro-ministro, António Costa) estão a abrir as portas para que uma situação excecional se torne permanente, adiando-se mais uma vez a criação e implementação de um plano para os Cuidados de Saúde Primários (CSP)”, entende Jaime Branco, que deixa um alerta: “Com esta solução, poderão surgir vários erros médicos, piores cuidados e o desperdício de recursos terapêuticos e de diagnósticos.”

No início de junho, a própria ministra Marta Temido assumiu que os CSP estão “em estrangulamento” e o atual executivo não é alheio de responsabilidades. “Esta equipa ministerial tem desperdiçado médicos formados com grandes qualidades técnicas, científicas e clínicas que, como se tem visto pelos episódios e notícias recentes, têm sido empurrados para fora do Serviço Nacional de Saúde à procura de maior estabilidade em todas as dimensões da sua vida profissional e pessoal.”

Os concursos da especialidade também têm de ser mais bem planeados, entende o professor universitário e médico reumatologista. O concurso aberto no final de junho disponibiliza vagas nos sítios onde existe menor carência. E o de 2021 ficou, pela primeira vez, com vagas por preencher:  “Passámos de uma realidade em que era difícil conseguir vaga para a especialidade médica para uma realidade onde é difícil haver médicos que queiram escolher o SNS. Com o pico de reformas, a taxa de retenção de recém-especialistas a descer e este desinteresse generalizado por fazer carreira no serviço público, o SNS passará a depender de empresas de prestação de serviços e pouco mais”, afirma Jaime Branco, que está no SNS desde a sua fundação.

O candidato a bastonário defende que “os médicos têm de recuperar o seu papel clínico por excelência e têm de ser criadas condições que os desobriguem de cumprir funções burocráticas que não lhes pertencem e que não trazem ganhos em saúde. Numa reforma bem planeada, deve incluir-se por isso a contratação de mais assistentes sociais, mais psicólogos, de mais secretários clínicos e até a existência de centrais de atendimento telefónico inteligentes que agilizem processos nos centros de saúde”, propõe Jaime Branco.

“A solução para os Cuidados de Saúde Primários tem de ser vista globalmente e não apenas classe profissional a classe profissional. O objetivo é criar um sistema mais eficiente, robusto, que tenha os pacientes no centro e dignifique os cuidados que lhe são prestados.”

O SNS está a falhar aos cidadãos, àqueles que formou e que o acarinharam e isso tem de mudar”, conclui Jaime Branco.

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