Os juízes do palácio Ratton argumentam que os confinamentos representam uma privação da liberdade, não sendo admissíveis fora dos períodos em que tenha sido decretado o estado de emergência.
Ouvido pelo Público, o constitucionalista Vitalino Canas alegou que o anteprojeto que o Governo está a preparar de lei de emergência sanitária “fica ferido de morte” com esta decisão do Tribunal Constitucional.
O Presidente da República anunciou em maio que, mesmo que não tenha dúvidas fortes quanto à constitucionalidade da futura lei, irá enviá-la para o Tribunal Constitucional para ser sujeita a fiscalização preventiva, ou seja, ser verificada a sua conformidade com a lei fundamental antes de entrar em vigor.
“Desde já vos digo o que é que tenciono fazer com a lei, que é, quando chegar às minhas mãos, apreciá-la e mandar para o Tribunal Constitucional em fiscalização preventiva, por uma razão preventiva”, disse aos jornalistas Marcelo Rebelo de Sousa, afirmando temer que “comece a haver em vários tribunais recursos ou impugnações de vários cidadãos”.
A decisão de inconstitucionalidade tomada pela 2.ª secção do TC teve o voto favorável dos cinco juízes que a integram. Já o argumento de que os confinamentos representam verdadeiras privações de liberdade, e não meras restrições à liberdade de movimentos, suscitou a oposição de dois juízes.
O acórdão do conselheiro António José da Ascensão Ramos refere que, “ao estabelecer um regime obrigatório de reclusão em habitação (confinamento), constitui uma ingerência muito importante no espetro de tutela do direito à liberdade, o que impõe a conclusão de que o governo, através de uma resolução do conselho de ministros e fora do seu âmbito de competência legislativa próprio (artigo 198.º da Constituição da República Portuguesa), produziu um diploma em matéria reservada à Assembleia da República, rompendo com o estatuto constitucional neste âmbito, tal como se entendeu na decisão recorrida”.
“Esta questão foi já objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional em várias ocasiões, tendo-se concluído reiteradamente por vício de inconstitucionalidade orgânica de normas introduzidas no ordenamento por Resolução do Conselho de Ministros que estabeleceram obrigações de confinamento congéneres à da norma sob sindicância (v. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 424/2020, 687/2020, 729/2020, 769/2020 e 173/2021, 88/2022, 89/2022 e 90/2022)”, lê-se no documento.
O acórdão, que deu sequência a um pedido de habeas corpus de um cidadão a quem foi imposto um período de “reclusão em domicílio” por 14 dias, conclui que a norma relativa aos confinamentos fora do período de emergência “está também ferida de inconstitucionalidade orgânica e formal, por violação do espaço material sujeito a reserva legislativa da Assembleia da República e por o diploma estar desprovido da forma imposta pela Lei Fundamental”.
O Governo anunciou em maio passado que enviou um anteprojeto de lei de proteção em emergência de saúde pública à Assembleia da República, aos governos regionais, associações nacionais de municípios e de freguesias, conselhos e ordens profissionais do setor da saúde.
Este diploma foi elaborado por uma comissão técnica designada pelo primeiro-ministro, António Costa, para estudar a revisão do quatro jurídico aplicável em contexto de pandemia em função da experiência vivida com a Covid-19.
LUSA/HN
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