Em causa está a lentidão da resposta e os limites da sua abrangência, numa altura em que vários estados baniram completamente o acesso ao aborto na sequência da sentença Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization, que revogou o precedente Roe v. Wade.
Apesar de ter sido criada em setembro de 2021 uma equipa de resposta à possível revogação do direito ao aborto, dentro do Gender Policy Council (Conselho de Política de Género), a ação pós-decisão foi considerada letárgica.
O presidente Joe Biden demorou seis dias a declarar o apoio à mudança excecional das regras no Senado para aprovar legislação federal que proteja o direito ao aborto, e levou duas semanas a assinar uma ordem executiva com medidas para mitigar a revogação.
A administração não declarou uma emergência de saúde pública nem avançou com o fornecimento de serviços abortivos em territórios federais, o que levou a críticas de que a ação está a ser mais fraca que o esperado.
A organização Women’s March (Marcha das Mulheres), criada originalmente em 2017 para protestar contra Donald Trump, iniciou uma petição neste sentido. “Estamos a pedir ao presidente Biden que declare um estado de emergência para proteger o acesso ao aborto”, informou.
A mesma organização anunciou esta semana que vai mobilizar “milhares” de pessoas para um “fim de semana de luta” com manifestações em Washington, D.C. e por todo o país, de 07 a 09 de outubro.
Também esta semana, a Vanity Fair publicou um artigo citando o descontentamento de ativistas, as posições de oficiais da Casa Branca que falaram anonimamente e a visão de congressistas democratas.
A tensão entre ativistas e a Casa Branca tinha atingido o pico quando a diretora de comunicação Kate Bedingfield criticou a ala mais à esquerda da base de apoio do partido Democrata, em declarações ao Washington Post.
“O objetivo de Joe Biden na resposta a Dobbs não é satisfazer alguns ativistas que têm estado consistentemente fora de passo com a corrente dominante do Partido Democrata”, declarou. “É ajudar as mulheres que estão em perigo e montar uma coligação de base ampla para defender o direito de uma mulher a escolher, tal como montou uma coligação para vencer na campanha de 2020”.
Biden, que esteve em isolamento depois de testar positivo à Covid-19, fez várias declarações sobre o aborto e a necessidade de eleger mais congressistas e senadores pró-escolha para poder codificar a legislação.
As eleições intercalares de novembro vão decidir o Controlo do congresso e os republicanos já prometeram trabalhar para restringir ainda mais o acesso ao aborto se ganharem.
Mas os analistas não estão certos que a questão do aborto seja a mais influente para os eleitores na hora de votar.
“As pessoas têm memória curta e por pior que tenha sido a revogação de Roe v. Wade, em novembro as pessoas vão pensar em quanto gastam em gasolina, como está a inflação e as taxas de juro”, disse à Lusa o cientista político Everett Vieira III.
O reitor interino da Faculdade de Ciências Sociais na Universidade Estadual da Califórnia em Fresno, Jeffrey Cummins, também apontou para a economia e inflação como fatores mais relevantes. “Ainda não sabemos qual será o impacto da revogação do direito ao aborto”, indicou.
Por outro lado, o apelo reiterado ao voto caiu mal entre ativistas que apontaram para o facto de já ser previsível há algum tempo que o Supremo ia revogar o direito ao aborto.
“É indesculpável para a liderança democrata saber há meses que isto ia acontecer e convocar uma resposta tão anémica”, disse ao New York Times Stephanie Taylor, fundadora do Progressive Change Campaign Committee.
Também a presidente da Women’s March, Rachel O’Leary Carmona, criticou o apelo ao voto como refrão na resposta ao que está a acontecer.
“Não nos digam para votar sem dizer qual é o plano”, escreveu na sua conta de Twitter. “A reforma do Supremo está em cima da mesa? A codificação de Roe? Estamos a votar em quê?”, questionou.
“Se a vossa solução para o ataque aos nossos direitos é dizer às pessoas para votar mas não porque é que precisam de mais votos no Congresso e o que farão com mais votos, então essa não é uma boa receita para incentivar à participação”, considerou, noutra publicação.
A Women’s March também tem mantido a pressão. “Caros democratas: vocês disseram-nos para votar. Demos-vos a Câmara, o Senado e a Presidência”, salientou. “Quando votarmos novamente em novembro, é bom que tenham um plano incrível para restaurar os nossos direitos humanos fundamentais”.
LUSA/HN
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