“Verificou-se uma clara divisão nas respostas à pergunta sobre se os suicídios devem ser noticiados”, com 48% dos jornalistas inquiridos a afirmarem que devem ser noticiados e 52% a terem opinião contrária, resultados que estão em linha com a tendência que existe à escala global entre os jornalistas, de acordo com outros estudos, disse hoje à agência Lusa Eudora Ribeiro, autora principal da investigação que teve o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia.
Segundo a investigadora, a cobertura noticiosa do suicídio tem sido um motivo de preocupação há décadas devido aos possíveis efeitos de imitação.
“Em Portugal, há números historicamente elevados de suicídio em algumas regiões, nomeadamente no Alentejo”, onde em 2020 a taxa de suicídio era mais do dobro da taxa nacional (21,1%), afirmou, citando dados do Instituto Nacional de Estatística.
No entanto, comentou, “parece haver uma nuvem de silêncio em torno deste tema” e os jornalistas nunca tinham sido questionados, enquanto classe profissional, sobre a cobertura noticiosa do suicídio.
Para colmatar “um bocadinho” esta lacuna, foi elaborado um inquérito anónimo ‘online’ que decorreu entre julho e setembro de 2020 e recebeu 491 respostas, correspondendo a quase 10% dos jornalistas com carteira válida em Portugal.
O inquérito foi complementado com 12 entrevistas presenciais realizadas entre setembro e novembro de 2021 a jornalistas que noticiaram ou supervisionaram a cobertura da morte do ator Pedro Lima em junho de 2020, um caso muito mediático no país.
O estudo revela que “o suicídio ainda parece continuar a ser um tabu nas redações portuguesas e os jornalistas em Portugal estão divididos quanto à noticiabilidade”, disse Eudora Ribeiro, que realizou a investigação no âmbito do doutoramento em Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa em coautoria com o jornalista e professor da FCSH António Granado.
Mais de um terço (36%) dos que responderam ao questionário ‘online’ considera o suicídio um tabu no jornalismo em Portugal por também o ser na sociedade portuguesa, enquanto para quase 28% é por causa do estigma que lhe está associado. Só 36,7% considerou não ser um tema tabu.
Apesar de a regra ser não noticiar suicídios, os jornalistas entrevistados admitiram que há exceções em casos de relevância pública, nomeadamente a morte de celebridades, quando o suicídio surge como um fenómeno social e no âmbito da promoção da saúde mental.
Os investigadores não encontraram diferenças relevantes nas respostas com base no sexo, idade, anos de experiência profissional ou função, mas verificaram diferenças relevantes entre profissionais de diferentes meios de comunicação.
A maioria dos jornalistas que trabalha na imprensa ou em ‘sites’ acredita que os suicídios devem ser noticiados, enquanto a maioria dos que trabalham para a agência de notícias, rádio ou a televisão considera que não.
Também se verificou uma correlação estatística entre os jornalistas de diferentes regiões do país e a sua perspetiva sobre a sua divulgação: 67% dos profissionais do Norte manifestaram-se contra, um dado que a investigadora considerou interessante por ser a região com maior tradição católica.
Para 90% dos inquiridos, deve haver uma divulgação seletiva de dados quando se noticia um suicídio, 60% defende que deve ser noticiado quando assume interesse público e 52% para transmitir informações úteis, enquanto problema de saúde pública.
Mais de 77% defende que as peças devem incluir contactos de apoio e 86% manifestaram-se a favor da inclusão de fatores de risco e sinais de alerta.
Já 52,4% dos jornalistas entrevistados defende que deve noticiar-se o suicídio para que a população esteja mais atenta aos fatores de risco e sinais de alerta e 50% para estimular a discussão pública sobre o tema.
No entanto, a maioria também considerou que a cobertura do suicídio não tem um efeito preventivo e 48% que pode instigar comportamentos suicidas por imitação.
Quase 60% dos participantes disse desconhecer as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a “divulgação responsável do suicídio”, como não indicar o método nem o local onde aconteceu o suicídio, citar profissionais de saúde nas peças e indicar contactos de apoio.
Apesar de considerar este dado “preocupante”, Eudora Ribeiro disse que as respostas mostraram que existe “alguma intuição” e “alguma sensibilidade” sobre como noticiar o suicídio e defende a inclusão do tema nos currículos de ensino de jornalismo ou na formação profissional dos que já estão no ativo.
LUSA/HN
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