“Infelizmente, do meu ponto de vista, essa votação foi negativa, inviabilizando-se assim aquilo que era uma oportunidade única de mudar o paradigma nacional no que diz respeito aos cuidados de saúde urgentes”, adiantou à agência Lusa Nelson Pereira.
O diretor da Unidade Autónoma de Gestão de Urgência e Medicina Intensiva do Centro Hospitalar de São João foi o impulsionador de um manifesto, divulgado na última semana, em que 56 antigos e atuais diretores de serviços de urgência do país defendiam a criação da especialidade de Medicina de Urgência.
“Numa altura em que é bem claro para a classe médica, bem como para os cidadãos, a existência de enormes insuficiências na entrega de cuidados de urgência na nossa rede hospitalar, torna-se indispensável dar este passo real na prossecução da melhoria desses cuidados”, referia o documento.
Na reunião realizada ontem, a Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos (OM), um órgão que junta os médicos de todos os distritos do país e das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, “chumbou” a criação da especialidade, encerrando, para já, este processo com cerca de três anos.
Na reação ao resultado, Nelson Pereira lamentou que a Assembleia da OM tenha decidido “ficar não do lado da solução, mas do problema”, fazendo com que o país retroceda “mais algum tempo neste caminho” de 50 anos de atraso relativamente aos primeiros países que desenvolveram esta especialidade.
“Somos, mais uma vez, a cauda da Europa, onde três países não reconhecem esta especialidade” (Portugal, Áustria e Chipre), referiu o diretor do Departamento de Urgência do Hospital de São João.
Segundo adiantou, os médicos que estão nas urgências com a responsabilidade de organizar as equipas “estão a passar pelas enormes dificuldades que são públicas e notórias” e “não têm dúvida nenhuma que o caminho” passa pela criação desta nova especialidade.
“Acho que há aqui um corporativismo nesta decisão. Obviamente só posso lamentá-lo. O doente não esteve no centro da decisão. O que esteve no centro da decisão foi o que, eventualmente, esta ou aquela especialidade poderia perder com a criação de uma nova”, afirmou Nelson Pereira.
Segundo avançou o médico, o projeto para criação da especialidade de Medicina de Urgência teve a oposição dos colégios de medicina interna, pediatria e medicina geral e familiar, os três mais representativos em termos do número de médicos.
“O facto de a votação ter tido esse sentido tem, certamente, a ver com uma posição destas especialidades. Vamos continuar este nosso caminho de luta pelos interesses dos doentes”, assegurou Nelson Pereira.
O projeto de criação desta nova especialidade previa um plano curricular com cinco anos, o que permitiria ter os primeiros especialistas em Medicina de Urgência formados dentro de seis anos.
Antes da votação de ontem, a presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), Lélita Santos, tinha considerado a criação da nova especialidade como inoportuna, alegando a necessidade de primeiro organizar ou reorganizar o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Numa reação à Lusa antes da reunião da ordem, o diretor executivo do SNS salientou que a existência dessa especialidade permitiria a definição de uma carreira, melhorando a qualificação dos médicos, mas também criando condições para recrutar e fixar mais desses profissionais de saúde no SNS.
“Este caminho não coloca em causa a presença das outras especialidades nos serviços de urgência, bem como o seu relevantíssimo papel”, disse Fernando Araújo na altura.
LUSA/HN
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