“A forma como as crianças dormem na primeira infância tem um impacto na vida e na saúde até à idade adulta. A primeira infância é a construção da casa onde vamos morar até ao resto da nossa vida”, disse Andreia Neves que é especialista em sono pediátrico e lidera o estudo que tem como nome “SleePsy”, numa associação entre o sono e o desenvolvimento psicomotor na infância.
Em declarações à agência Lusa, Andreia Neves admitiu que persistem na sociedade mitos sobre a qualidade do sono e lamentou a ausência de uma atenção a este tema, comparando com outros que têm merecido mais destaque.
“Se olharmos para os meios de comunicação e quantificarmos as vezes que se fala de alimentação e exercício, ficam muito à frente das vezes que se fala sobre o sono. E quando se fala sobre o sono, maioritariamente fala-se sobre o sono do adulto. Importa estudar o sono das crianças, porque a primeira infância é a idade de ouro do desenvolvimento cerebral”, disse a cardiopneumologista.
Para integrar o estudo, as crianças têm de ter entre 18 meses e 2 anos e três meses.
Depois, as crianças serão seguidas até aos 4 anos.
Andreia Neves, que é estudante de doutoramento em biomedicina da FMUP, frisou que “o modo como a criança dorme nestas idades terá influência em todo o percurso da criança, nomeadamente a nível escolar, e poderá condicionar o aparecimento de doenças na idade adulta”.
O “SleePsy” é um estudo nacional e o recrutamento decorrerá no Porto, em Vila Nova de Gaia e em Lisboa, prolongando-se até junho.
As crianças serão seguidas ao longo de dois anos, sendo feitas três avaliações: no início do estudo, um ano depois e no final do estudo.
A FMUP tem como margem o recrutamento de 150 a 300 voluntários.
O objetivo principal é responder à pergunta: “como estão a dormir as crianças portuguesas?”, somando-se outras questões e até mitos relacionados com este tema.
“Será que as noites mal dormidas têm reflexos no desenvolvimento dos mais pequenos?”. E “qual é o papel dos ecrãs [tablets, telemóveis, televisão]: são amigos ou maus da fita?”
“Sabemos que as crianças cada vez se expõem mais precocemente a ecrãs. Por isso, a nossa ideia é medir, de forma objetiva, qual é a relação entre o tempo de exposição aos ecrãs e a qualidade do sono das crianças”, acrescentou a investigadora.
Andreia Neves realçou que este estudo seguirá um método diferenciado, uma vez que a maior parte das análises semelhantes partiram de questionário aos pais, enquanto neste caso o sono das crianças será avaliado com recurso a um aparelho não invasivo, semelhante a um relógio de pulso, validado e utilizado em meio hospitalar por pessoas de todas as idades.
Este exame, designado actigrafia, irá medir também a quantidade de luz a que as crianças estão expostas.
À Lusa, a médica avançou que este estudo pretende uniformizar as recomendações que são dadas e contrariar o facto do sono ser, habitualmente, “o parente pobre” no aconselhamento.
“As recomendações que se fazem em contexto de consulta de rotina são altamente ambíguas”, referiu.
Também é um objetivo deste estudo analisar os níveis de melatonina, a chamada “hormona do sono” naturalmente produzida pelo corpo humano e que contribui para regular o relógio biológico.
Ao contrário da maioria dos países europeus, que exijem prescrição médica, em Portugal a melatonina é de venda livre.
“A utilização da melatonina tem sido massiva. Faço consulta de sono e é raro não ter miúdos que já fazem melatonina. Mas não existe um protocolo. Tanto aparecem crianças a fazer 10 gotas, como a fazer quatro. E não há assim tantas crianças com défice de melatonina. A maior parte, o que precisa é de corrigir hábitos e rotinas de sono”, concluiu.
Para medir a melatonina, os investigadores vão utilizar uma amostra de urina das crianças.
Por sua vez, o desenvolvimento psicomotor será avaliado através da Escala de Avaliação das Competências no Desenvolvimento Infantil que mede oito áreas: a audição, a visão, o raciocínio, a motricidade fina e a grossa, a autonomia, a interação social e a cognição.
Nesta avaliação, são utilizados, por exemplo, puzzles e jogos adaptados a cada idade.
Não são elegíveis neste estudo crianças prematuras e crianças com diagnóstico de doenças de desenvolvimento.
Podem participar crianças com patologias que impliquem medicação diária, sendo feita uma avaliação, uma vez que há medicamentos que interferem com o sono.
LUSA/HN
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