A marcação de consultas é feita na véspera, mas a unidade, que tem hoje um grande número de utentes, precisa com urgência de um equipamento telefónico que permita agilizar o processo porque há quem se queixe de grandes dificuldades num contacto que nasceu para ser mais fácil.
Entre as 09:00 e as 13:30, as consultas podem ser marcadas através do 963739496, um número que é desligado diariamente após o preenchimento de todas as vagas do dia.
Um ano depois de ter sido criada, a Via Verde Seixal faz 150 consultas diárias, das 08:00 às 20:00, servindo 45 mil utentes sem médico de família atribuído. Ao mesmo tempo, foi também criada a Via Verde Almada, uma “gémea” de menor dimensão que atende 17 mil utentes.
Ambas pertencem ao Agrupamento de Centros de Saúde Almada-Seixal.
Alexandra Fernandes, que ao longo de 25 anos foi médica de família na unidade de saúde familiar de Fernão Ferro, é a coordenadora da Via Verde Seixal, localizada em Santa Marta do Pinhal (freguesia de Corroios), e uma das criadoras do projeto inovador que recebeu uma menção honrosa no Prémio Boas Práticas em Saúde e foi recentemente apontado pelo ministro da Saúde, Manuel Pizarro, como modelo a replicar.
É com emoção e uma energia contagiante que fala de um projeto que considera poder ser uma solução imediata e temporária para a enorme carência de médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar no concelho do Seixal, no distrito de Setúbal, tal como em todo o país.
No Seixal, explicou em declarações à Lusa, estes utentes eram anteriormente acompanhados nas Unidades de Cuidados de Saúde Primários, mas recebendo cuidados que considera de insuficiente qualidade, prestados por médicos não especializados e contratados através de empresas de ‘outsourcing’. Uma situação que classifica de “intolerável” e que a levou a propor o novo modelo.
Foi o inconformismo dos profissionais de saúde com anos de experiência em unidades de saúde familiar que fez nascer o modelo e no qual participam médicos e enfermeiros de outras unidades.
“Com o entusiasmo de mais três ou quatro profissionais de unidades de saúde familiar do concelho, nomeadamente enfermeiras e uma colega minha também assistente graduada sénior, propusemos ao nosso ACES a criação de unidades fora do habitual às quais chamámos projetos Via Verde saúde”, explicou.
No modelo habitual de organização, a cada equipa de família (médico e enfermeiro) é atribuída uma lista de 1.650 a 2.000 utentes, mas neste modelo existe uma equipa fixa que serve a totalidade dos utentes.
A intenção foi permitir prestar os melhores cuidados de saúde possíveis com os recursos humanos e materiais disponíveis, num contexto de carência de médicos de família.
Já estiveram em pavilhões pré-fabricados cedidos pela autarquia, mas hoje prestam cuidados num edifício novo, com 16 gabinetes onde são atendidos utentes de 90 nacionalidades.
Com Alexandra Fernandes está também desde o início a enfermeira especialista Olívia Matos, uma profissional que fez também a sua carreira na Unidade de Saúde Familiar de Fernão Ferro.
“A grande motivação foi pensar que poderíamos contribuir para uma resposta e em termos de enfermagem este é um projeto muito interessante, um desafio, porque todos os dias chegam novos utentes e uma população muito jovem”, disse.
Mas nem tudo são rosas, conta a coordenadora Alexandra Fernandes, e também o diretor do ACES-Almada Seixal, Alexandre Tomás, que acolheu o projeto desde início, assim como a Comissão de Utentes do Seixal, que enaltece a ideia, mas chama a atenção para a necessidade de maior investimento para suprir as fragilidades, quer técnicas quer humanas.
José Lourenço, da Comissão de Utentes do Seixal, reconhece a mais-valia do serviço, mas chama a atenção para a necessidade de fixar os profissionais, até porque os médicos que aqui prestam serviço auferem menos do que os que estão numa unidade de saúde familiar.
Uma reivindicação também sustentada por Alexandre Tomás, o diretor executivo do ACES, que se mostra muito feliz por ter profissionais que se disponibilizaram para dar esta resposta, mas que lamenta não poder dar incentivos para os fixar.
“Entendemos que esta resposta deve ter um novo enquadramento por parte do Ministério [da Saúde]. Ainda não é uma unidade funcional, temos de garantir a fixação dos profissionais nesta área, caso contrário saem”, disse.
Ainda assim, apesar de ser menos aliciante do ponto de vista económico, há médicos que optam por esta unidade, ainda que tenham tido desafios para outras.
Foi o caso de João Capelinha, médico recém-especializado em Medicina Geral e Familiar, que, apesar de ter tido um convite para outra unidade, optou por ficar na Via Verde Seixal porque se identificou de imediato com o projeto.
“O projeto aqui foi muito aliciante”, explicou, adiantando que o facto de receber pessoas que até então não tinham acompanhamento médico adequado torna a sua função mais estimulante.
Admite que em termos remuneratórios os projetos das Unidades de Saúde Familiar são mais aliciantes, mas ainda assim a escolha recaiu nesta unidade.
“Sinto que estou a fazer algo mesmo importante”, disse.
Já para João Batalheiro, médico especialista de Medicina Geral e Familiar e recentemente reformado, o projeto foi ao encontro do que queria fazer após a aposentação: cuidar dos doentes sem médico.
Um dia recebeu um telefonema de Alexandra Fernandes a perguntar se queria entrar num projeto que pretendia dar alguma dignidade às pessoas e evitar que fizessem filas às quatro da manhã para ter consultas.
“Alinhei. Ficou combinado assim. Este projeto é uma resposta à falha governamental”, disse, adiantando que agora num formato diferente se libertou das burocracias e faz o que realmente gosta: “Cuidar dos doentes”.
LUSA/HN
0 Comments