Atraso na regulamentação da Lei do Direito ao Esquecimento obriga jovens a adiar sonhos

13 de Fevereiro 2023

A Lei do Direito ao Esquecimento, que prevê que pessoas que tenham superado doenças graves não sejam discriminadas no acesso a créditos, continua por regulamentar, adiando “sonhos de muitos jovens” portugueses, alertam várias entidades ligadas ao tratamento de cancro.

Chama-se “Lei do Direito ao Esquecimento” e, de acordo com o sumário do diploma, aprovado em 2021 e em vigor desde 2022, proíbe “práticas discriminatórias” e “reforça o acesso ao crédito e contratos de seguros por pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência”.

A Lei n.º 75/2021 entrou em vigor em janeiro do ano passado, mas a regulamentação que permite passar da teoria à prática continua na gaveta.

O alerta foi feito à agência Lusa quer pela Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) quer pela Acreditar (Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro) nas vésperas do Dia Internacional das Crianças com Cancro, que se assinala quarta-feira.

“Chegamos à conclusão, através de vários testemunhos de Barnabés [grupo de jovens e adultos que receberam diagnóstico de doença oncológica até aos 25 anos] que, quando tentavam comprar uma casa e tinham de fazer um seguro de saúde ou de vida, ao responderem à pergunta sobre se já passaram por um cancro, o seguro era negado ou atingia um valor incomportável”, descreveu Joana Silvestre que trabalha na Acreditar desde 2016.

À Lusa, a responsável garantiu que a associação “nunca deixará de lutar pela regulamentação da lei”.

“É muito bom que esta lei exista, mas enquanto não existir regulamentação, os projetos de vida ficam adiados e as vidas em suspenso”, lamentou.

O diploma previa que o Estado celebrasse um acordo nacional, relativo ao acesso ao crédito e a contratos de seguros por parte de pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência, com as associações setoriais representativas de instituições de crédito, sociedades financeiras, sociedades mútuas, instituições de previdência e empresas de seguros e resseguros, bem como organizações nacionais que representam pessoas com risco agravado de saúde, pessoas com deficiência e utentes do sistema de saúde.

O número 2 do artigo 3.º da lei estabelece que “nenhuma informação de saúde (…) pode ser recolhida (…) em contexto pré-contratual desde que tenham decorrido, de forma ininterrupta 10 anos desde o término do protocolo terapêutico, no caso de risco agravado de saúde ou deficiência superada, 05 anos desde o término do protocolo terapêutico, no caso de a patologia superada ter ocorrido antes dos 21 anos de idade e 02 anos de protocolo terapêutico continuado e eficaz, no caso de risco agravado de saúde ou deficiência mitigada”.

Já no artigo 7.º da lei lê-se: “O Governo, no prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, regulamenta a prestação de cuidados de saúde relacionados por parte do segurador cessante”.

“Esse prazo foi já ultrapassado e continua tudo na mesma”, lamentou a psicóloga clínica e coordenadora da Unidade de Psico-Oncologia da LPCC (Núcleo Regional do Norte), Mónick Leal, ladeada, na entrevista à Lusa pela jurista Andreia da Costa Andrade que, nas consultas jurídicas que leva a cabo na Liga, já se deparou com dúvidas e lamentos semelhantes.

“Há jovens que saem frustrados das consultas porque a regulamentação não existe. Sinto que há jovens que estão a adiar o sonho um, dois, três anos. Estão à espera que algo aconteça. Alguns deles até já cumpriram os prazos de dois, cinco e 10 anos que a lei estabelece”, contou.

Andreia da Costa Andrade explicou que o que falta regulamentar é “o que suporta a lei do ponto de vista financeiro”, ou seja o acordo nacional.

“Este tipo de acordo não é algo novo. O regime bonificado para acesso a crédito habitação já está estabelecido na lei. É preciso é estabelecê-lo e adaptá-lo a uma realidade concreta”, referiu a jurista do núcleo Norte da LPCC.

Na Europa esta lei só está em vigor nos Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo e França.

À Lusa, quer a Acreditar quer a LPCC, salvaguardando que a lei se aplica a outras doenças e a casos relacionados com deficiência, alertaram que “para trás” ficam pessoas que tiveram um cancro pediátrico ou um cancro ainda na fase da juventude.

Em junho, a Acreditar alertou, numa carta enviada à tutela, que a lei não especifica prazos para que o acordo nacional seja alcançado.

A associação acrescentou que considera “fundamental” que sejam identificados “claramente” quem são os avaliadores da área da saúde que serão responsáveis pelas grelhas de referência e suas atualizações.

A 22 de dezembro o Parlamento aprovou, por unanimidade e com base em iniciativas do PS e do PAN, uma recomendação ao Governo a propósito desta lei.

A agência Lusa solicitou esclarecimentos junto dos Ministérios da Saúde, Finanças e Justiça e aguarda resposta.

LUSA/HN

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