Entre a idade dos ‘porquês’ e o tempo da revolta: Como lidar com a DII em crianças e jovens?

28 de Maio 2023

Viver com uma doença para o resto da vida não é fácil quando o diagnóstico é feito em plena infância ou adolescência.

Um cenário que pode ser ainda agravado quando se está perante uma doença com inúmeros estigmas, como a Doença Inflamatória do Intestino.

Ter a necessidade de ir, vezes sem conta, à casa de banho pode fazer com que muitas crianças e jovens tenham sentimentos de revolta e vergonha. Atendendo a esta realidade, e de forma a desmistificar algumas destas patologias, a Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino (APDI) promoveu no passado dia 16 de maio uma discussão sobre o tema.

“Entre a idade dos ‘porquês’ e o tempo da revolta: Como lidar com a DII em crianças e jovens?” foi o tema que marcou o segundo webinar promovido pela APDI. 

A sessão, que juntou especialistas e o testemunho de uma doente, teve como objetivo dar a conhecer as manifestações clínicas na fase pediátrica, a forma como se vive o diagnóstico nas crianças e nos jovens, a importância do envolvimento dos doentes no tratamento, o papel da família e do psicólogo. 

O encontro contou com a participação de Susana Almeida, Gastrenterologista pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra; Joana Pais, psicóloga clínica da APDI e Mariana Santulhão, jovem com DII. 

Os primeiros sinais e sintomas, o diagnóstico e o estigma da doença foram alguns dos assuntos que marcaram o arranque do debate. A jovem contou que foi aos 14 anos que foi diagnosticada com Doença de Crohn, tendo sofrido “muito” antes de conhecer a sua condição clínica. 

“Os meus sintomas eram extraintestinais. Tinha problemas articulares, oftalmológicos, dermatológicos e tinha um défice de crescimento. Houve uma fase de crise em que tinha muita diarreia, dores abdominais, vómitos e tive que ir às urgências, onde fiquei internada e recebi o diagnóstico”, explicou. 

No entanto, reconheceu que foi após ter descoberto a causa dos seus problemas de saúde que passou a ter “qualidade de vida, graças à medicação”. Sob uma perspetiva otimista, Mariana garantiu ter sabido adaptar-se à doença sem nunca ter pensado em abandonar a medicação. 

A importância do diagnóstico precoce e o envolvimento da criança no processo terapêutico foram os tópicos destacados por Susana Almeida. “Na DII é essencial fazer um diagnóstico precoce, sobretudo na sua variante de Crohn. Esta patologia tem muitas vezes sintomatologia que não é imediatamente reconhecida e isso faz com que infelizmente muitas crianças tenham vários anos de atraso no diagnóstico com perda de potencial crescimento (…) O nosso objetivo tem que ser tratar a criança, pensado no adulto que vem aí”. 

“Na pediatria é muito importante falar para os pais, mas na adolescência não se pode falar com os pais… Tem que se falar, sobretudo, para o doente. Tem que se envolver desde cedo o jovem no processo. É preciso explicar a questão dos exames, o tempo de internamento e os objetivos da terapêutica”, acrescentou.

Na mesma linha de pensamento, Joana Pais fez questão de frisar a importância de explicar a doença aos doentes mais novos, pois “sabemos que a infância e a adolescência são as fases mais importantes do ser humano, funcionando como um ‘tubo de ensaio’ para as fases de vida subsequentes”

“Quando há um diagnóstico de DII é experienciado um estado de sofrimento e incerteza que tem repercussões a nível familiar, social e afetivo. Portanto, é essencial que a criança compreenda a doença”. 

Na sessão, o “esquecimento propositado” da medicação foi um outro assunto trazido a debate. Segundo a Gastrenterologista pediátrica, há jovens que dizem ter “esquecido” a toma dos medicamentos, mas fazem-nos por se sentirem “muitas vezes cansados e diferentes dos outros”. 

Sobre esta questão, Mariana garantiu não ter sido esse o seu caso, mas admitiu que durante muitos anos “calou” a doença por medo de ser considerada uma “vítima” por parte dos colegas da escola. 

A psicóloga clínica sublinhou, assim, a importância de acabar com os tabus e de promover a “discussão aberta” da doença no ambiente escolar. “É importante que os professores sejam orientados para trabalhar nesta psico-educação dentro da turma para que a criança ou o adolescente com DII não seja discriminado e para que seja integrado.”

No webinar, foi ainda destacada a evolução que se tem operado na última década a nível da inovação terapêutica e da investigação na área das doenças inflamatórias do intestino. Hoje em dia os doentes contam com equipamentos mais avançados, exames menos invasivos e medicamentos altamente eficazes. 

No encerramento, os especialistas alertaram para o facto de se estar a ser verificar um aumento significativo do número de casos complexos em idade pediátrica, tanto em Portugal, como a nível europeu.

Texto de Vaishaly Camões

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