Lembrando que as doenças cardiovasculares se agravam com o envelhecimento, Miguel Gouveia estima que os problemas de aterosclerose façam perder mais de 260.000 dias por ano (dados de 2016) e tenham um impacto económico anual a rondar os dois mil milhões de euros.
Questionado sobre o impacto atual, justificou a dificuldade de fazer estudos mais recentes com o atraso na divulgação dos dados pelos hospitais.
O especialista, que falava à Lusa a propósito de um encontro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, na sexta-feira, no Centro Cultural de Belém, em que abordará o impacto económico e para a população das doenças cardiovasculares, as que mais matam em Portugal, sublinhou que, mais do que a mortalidade da doença, “é importante olhar para o impacto dos anos de vida perdidos (por morte prematura ou por se viver com incapacidade)”.
“A mortalidade é uma péssima medida para medir a importância de uma doença”, afirma o investigador da Universidade Católica Portuguesa, exemplificando: “uma das grandes pragas que temos neste momento é a área da saúde mental, pois doenças como a depressão, em termos estatísticos [no caso da mortalidade], não tem relevância, mas tem um impacto e enorme na saúde da população”.
O investigador, que fez diversos estudos sobre o impacto das doenças cardiovasculares – na saúde da população e em termos económicos -, lembrou que, com uma população cada vez mais envelhecida, é natural que haja mais doença cardiovascular.
Um estudo em que participou que foi publicado em 2019, com dados referentes a 2016, concluiu que se tinham pedido nesse ano quase 261.000 anos de vida por causa da doença circulatória relacionada com problemas de aterosclerose, sendo que cerca de 25% foi por incapacidade.
Explicou que, além da carga da doença, também mediu os custos para o sistema de saúde (diretos) e em termos de produtividade perdida devido ao absentismo e às saídas precoces do mercado de trabalho (indiretos), tendo concluído que rondavam os dois mil milhões de euros.
“Claro que tem havido inovação terapêutica e uma melhoria nos desenvolvimentos científicos na medicina, e isso tende a reduzir estes problemas, (..) mas a sensação que tenho é de que o envelhecimento da população se sobrepõe ao resto”, afirmou, insistindo que, com a covid-19 e o facto de o SNS se ter descentrado de outros problemas de saúde, houve agravamentos em várias doenças.
Apontando a tendência demográfica portuguesa, Miguel Gouveia disse que o espectável é “um agravamento quer da carga da doença, quer dos custos da doença ao longo do tempo”, insistindo no reforço do investimento em prevenção.
“Devíamos investir bastante nos vários níveis de prevenção”, afirmou, referindo-se à prevenção primária (para evitar que se fique doente), secundária (para quem já teve doença) e terciária (para, quando as pessoas já estão no hospital, evitar que tenham segundos ataques cardíacos).
“Há uma série de níveis de prevenção em que nós precisamos de investir”, insistiu, lembrando a nota negativa que merece a evolução do investimento nesta área em Portugal.
Recorda que, desde o ano 2000, os programas de prevenção passaram a ter cada vez menos peso nos gastos em saúde, exemplificando: “No ano 2000 estávamos a gastar 2,5% de todas as despesas de saúde em programas de prevenção e, agora, estamos quase em 1,5%”.
“Há áreas da prevenção que nós precisamos de recuperar”, insiste, defendendo que, “com as famosas contas certas”, o que os governos fizeram foi “cortar no investimento” e recordando: “A prevenção em saúde é exatamente um investimento”.
“É altura de começar a ver que, provavelmente, temos que retroceder caminho”, conclui.
LUSA/HN
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