‘Viagem’ ao inferno das drogas sintéticas custa só 3 dólares em Filadélfia

25 de Junho 2023

Três dólares é o preço que Josh, um toxicodependente norte-americano de Filadélfia, paga atualmente por uma dose de 'Tranq Dope', uma entrada barata no mundo das drogas sintéticas, do qual dificilmente se sai.

Josh – nome fictício – encontrou-se com a reportagem da Lusa debaixo de uma ponte de Kensington, um dos maiores mercados de drogas a céu aberto dos Estados Unidos, e onde tem morado nos últimos tempos.

Conta que fez 40 anos na véspera e que mais de metade da sua vida foi passada a consumir drogas: começou aos 13 com heroína, mas já experimentou de tudo um pouco.

Já não tem sobrancelhas, faltam-lhe dentes e os ossos do rosto estão salientes, tudo consequências da vida que leva.

Tem dois filhos pequenos, mas a mãe das crianças não o deixa vê-las: “parte-me o coração não poder falar com eles”, lamentou.

Por mais que as marcas físicas sejam as mais evidentes a quem olha de fora, são as marcas psicológicas – as que ninguém vê – que mais o afetam.

Há seringas espalhadas pelas calçadas, lixo por todo o lado e o odor a dejetos é intenso. Há décadas que o bairro de Kensington foi abandonado pela indústria, criando uma vácuo económico que viria a ser preenchido pelo mercado de drogas, que atrai toxicodependentes de todo o país.

Josh contou à Lusa que não há um único dia em que não pense no melhor amigo, que foi morto à sua frente com um tiro na cabeça, disparado por um narcotraficante.

“Estou tão entorpecido por ver morte, por ver pessoas a serem alvejadas, atropeladas, esfaqueadas, a serem-lhes ateado fogo… Estou tão dormente com tudo isto que até posso dizer que já é normal para mim. É assustador”, admitiu.

Apesar dos longos anos que já passou nas ruas, Josh não tem dúvidas em apontar que Kensington está no nível mais assustador que já presenciou.

“Todos os amigos com quem cresci usam drogas, tenho visto tantos amigos morrer nestas ruas. E não são só as drogas que assustam. É a violência e tudo o que gera. Nas ruas não temos como nos resguardar da violência, ficamos expostos a tudo, vemos tudo. Pode-nos acontecer qualquer coisa”, contou à Lusa.

Como em todos os mercados, o preço dos produtos oscila. Mas Josh não se lembra de ver as drogas tão baratas.

“Um saco de droga custa três dólares (quase três euros). Às vezes cinco dólares. É tão fácil conseguir três dólares para comprar estas drogas, é tão fácil ficar viciado. Acho que é por isso que são vendidas a estes preços pelos ‘dealers’. Antes os sacos eram vendidos a 10 dólares, agora a três”, refletiu.

Enquanto Josh concede a entrevista, ao lado, junto à bagageira de um carro, as voluntárias da organização não-governamental Angels in Motion (Anjos em Movimento, na tradução para português) fazem curativos a outro toxicodependente, cujas feridas causadas por um tipo específico de droga estão espalhadas pelas pernas e pelos braços, feridas essas que assemelham a queimaduras químicas.

Trata-se de consequências da ‘Tranq Dope’, também conhecida como “droga zombie”, um sedativo para cavalos que é misturado com o opióide fentanil e que elevou a um novo nível o terror nas zonas de drogas dos Estados Unidos.

O sedativo – denominado “xilazina” – causa feridas que, se não tratadas devidamente, podem levar à amputação.

Além disso, deixa os seus consumidores inanimados durante horas, tornando-os vulneráveis a violações e a roubos. Por ser um sedativo e não um opióide, resiste aos tratamentos padrão de reversão de overdose.

Em Kensington, já ninguém fica admirado quando vê uma pessoa em pé, estática, mas completamente debruçada sobre o seu corpo, durante longos períodos. São as “drogas zombie” a jazer jus ao nome e a fazer vítimas em cada canto do bairro.

O amigo de Josh levanta as mangas da camisola e mostra os braços cobertos de feridas, mesmo longe do local onde injetou as drogas.

“A ‘Tranq’ simplesmente quer sair do corpo por onde conseguir”, diz Dawn Killen, uma das voluntárias da Angels in Motion, enquanto se prepara para lhe limpar os ferimentos.

Nas pernas, as feridas estão ainda em pior estado, mas Dawn acredita que estão a sarar bem.

À Lusa, a voluntária explicou que não são raras as vezes que encontra toxicodependentes com as feridas repletas de larvas.

Josh já não tem feridas, mas tem erupções na pele onde outrora as chagas lhe provocaram sofrimento. O segredo para a cicatrização, garantiu, é água limpa, algo de muito difícil acesso para quem vive nas ruas.

Além de guardar na pele as cicatrizes, guarda também muita desconfiança e ressentimento dos traficantes, por venderem drogas com componentes que só deveriam ser administrados em animais de grande porte.

“O efeito destas novas drogas é assustador. Nunca sabemos o que estamos a comprar, não sabemos que componentes têm, e a droga em si é muito potente. Os traficantes dizem-nos o nome da droga, mas, muitas vezes, não corresponde à realidade. É assustador. Não podemos confiar em nenhum traficante”, assegurou.

Apesar de saber que o sedativo “xilazina” está presente na maioria das drogas que circula em Filadélfia, Josh não consegue sair deste ciclo vicioso, admitindo já ter passado temporadas em programas de reabilitação, mas sempre sem sucesso.

“Não estou interessado em tentar [reabilitação] outra vez, porque já passei por tantas fases diferentes do processo e já não sei o que fazer mais”, assumiu à Lusa.

“Vi o meu pai no outro dia e ele queria que eu fosse para a reabilitação (…), mas estou num ponto em que estou completamente envergonhado da vida que tenho levado…”.

LUSA/HN

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