Saúde e Democracia

09/15/2023
por Delfim Rodrigues
Coordenador do Programa Nacional de Implementação das Unidades de Hospitalização Domiciliária nos hospitais do SNS

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é um sistema de saúde que visa proporcionar cuidados de serviços de saúde acessíveis a todos os nossos concidadãos, de forma universal e tendencialmente gratuito, nos termos do nosso texto constitucional.

Temos que assumir que sendo a saúde um serviço, dispõe de uma lógica estratégica, bem como operacional, bem distinta dos processos industriais, ainda que alguns desses processos, possam coexistir mormente em ambiente hospitalar. 

O serviço é um momento único e irrepetível de interação de um prestador, ou grupo, com um cliente ou um agregado de beneficiários dessa prestação, por conseguinte não é indiferente o local de disponibilidade e do tempo e por conseguinte as questões relacionadas com:

  • Acesso
  • Qualidade/Segurança
  • Equidade

são determinantes para a eficácia, eficiência e efectividade da prestação.

Ainda em dentro deste tema é de realçar, que em relação ás três variáveis, supra enunciadas é relativamente fácil os sistemas de saúde oferecerem em conjunto duas das três, acabando por sacrificar uma das outras. Podem oferecer acesso ilimitado dentro de parâmetros de qualidade/segurança, fazendo falir a vertente equidade, em particular na sua componente financeira, o que por conseguinte e por falta de meios, terá “ricochete” no acesso e em última análise na qualidade prestada e percebida pelos cidadãos, particularmente dos mais desfavorecidos económica e socialmente. Poderá preservar a comportabilidade financeira, colidindo com acesso e a qualidade do mesmo e assim por diante. Temos exemplos das várias conjugações possíveis dos diversos governos da nossa República.

Interessantemente, Adalberto Campos Fernandes, considerou a Hospitalização Domiciliária, como uma das maiores reformas do SNS de par com a generalização das ULSs, almejando a integração de cuidados.

A Hospitalização domiciliária, tem o perfil que o multibanco tem para os clientes e respectivas instituições. Em termos de saúde consegue conjugar, à uma, as três variáveis enunciadas anteriormente.

  • Incrementa o acesso. Em auge de pandemia foi a única oferta hospitalar que cresceu, 875%. Ao ocupar camas em casa libertou camas hospitalares e mesmo os doentes COVID e de acordo com normas de orientação técnica da DGS, 97% foram seguidos no domicílio.
  • Promove, de forma continuada, a qualidade/segurança dos doentes tratados, reduzindo as taxas de mortalidade, morbilidade, infecçao, reinternamentos, doença mental e dependência funcional, entre outras.
  • Impacta na eficiência. Os doentes internados em casa representam, para o SNS e por conseguinte para o tecido social no seu todo uma eficiência de 48,75%. 

Assim sendo resulta evidência de eficácia, eficiência e efectidade deste modelo de prestação de serviço, face ao modelo mais “conservador”

A relação entre o SNS e a democracia é estreita, pois o acesso à saúde é considerado um direito fundamental de todos os indivíduos e uma das principais responsabilidades do Estado. Através do SNS, os governos buscam garantir a igualdade de acesso aos serviços de saúde, independentemente da condição social, económica dos cidadãos.

Em um sistema democrático, os cidadãos são considerados soberanos e têm o direito de participar no processo decisório do país, incluindo na definição das políticas e prioridades na área da saúde. Através de eleições e outros mecanismos democráticos, os cidadãos podem influenciar as políticas de saúde e cobrar transparência, eficiência e qualidade dos serviços prestados pelo SNS.

Aliás e regressando à Hospitalização Domiciliária é uma devolução de soberania do Estado em relação aos cidadãos

Além disso, a democracia também permite a existência de um sistema de saúde público, em articulação com o sector privado e social que seja financiado através de impostos e que seja independente de interesses políticos ou econômicos particulares. Isso ajuda a garantir que os serviços de saúde sejam prestados com base em critérios de necessidade e igualdade, e não em vantagens ou privilégios pessoais.

No entanto, é importante ressaltar que a relação entre o SNS e a democracia nem sempre é perfeita. É comum surgirem debates e disputas políticas sobre a alocação de recursos, a gestão do sistema e a qualidade dos serviços de saúde. A participação ativa da sociedade civil e o debate público são essenciais para o aprimoramento do SNS e para a promoção de uma saúde pública eficiente e justa.

Em resumo, o SNS e a democracia estão intrinsecamente ligados, já que o acesso universal à saúde é um elemento crucial para garantir a igualdade de oportunidades e o bem-estar de todos os cidadãos em um sistema democrático.

 

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Mensagem de Manuel Pizarro. Médico e Ministro da Saúde

O SNS é uma criação da democracia portuguesa, tendo tido consagração constitucional em 1976 e lei fundadora aprovada em 1979.
Durante estas quatro décadas e meia mudou de forma radical o panorama sanitário do nosso País. O velho Portugal do fascismo, em que as pessoas estavam abandonadas à sua sorte, e os indicadores de saúde espelhavam um verdadeiro atraso civilizacional, foi transformado num país moderno, com resultados em saúde que ombreiam com os melhores do Mundo.

Democracia e Saúde: avanços e recuos

por Eduardo Paz Ferreira
Advogado; Presidente do Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal (IDEFF) e do Instituto Europeu (IE) da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

SNS – Pilar da Democracia

por Arlindo Carvalho
Empresário; Ministro da Saúde nos XI e no XII Governos Constitucionais

Prof. António José Barros Veloso: “CSP não cumprem a sua missão de forma eficiente”

“Os cidadãos têm de ter o seu médico assistente, no centro de saúde, para os atender quando adoecem”, defende o Prof. Doutor António José Barros Veloso, diretor do Serviço de Medicina do Hospital dos Capuchos (1986 a 2000), presidente da Sociedade Médica dos Hospitais Civis (1987- 1989), da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (1992-1994) e da Comissão de Ética para a Investigação Clínica (2005-2011). Além da dificuldade que os cidadãos têm para aceder aos cuidados de saúde primários, «os médicos de família foram sobretudo preparados para fazer prevenção da doença e promoção da saúde e não para tratar doenças agudas. E não me parece que a reforma que o Ministério da Saúde está a fazer vá corrigir isto».

ORGANIZAÇÃO

Fundação para a Saúde
Healthnews - Jornalismo de Saúde
Share This
Verified by MonsterInsights