EDITORIAL

Na alvorada do milénio (2002-2003) fui convocado ao Grande Palácio Maçónico, na Rua do Grémio Lusitano. Razão: após centos de tentativas, o Sereníssimo Grão-Mestre decidira conceder-me uma entrevista. Confesso que acedi com a inquietude de quem crescera a ouvir dizer que a Maçonaria não era coisa que a Santa Madre Igreja aprovasse. Que era assim a modos de um pequeno-almoço à “Álvaro Cunhal” que deveríamos evitar a todo o custo. É evidente que à data já muito tinha mudado no meu espírito relativamente à fraternidade maçónica, mas ainda assim, estava inquieto. Recebeu-me na portaria um senhor já idoso, com ar de poucos amigos, que após esclarecido sobre ao que eu ia, me conduziu até um pequeno escritório forrado de livros, dominado por uma secretária atrás da qual reconheci de imediato António Arnaut. Era a primeira vez que nos encontrávamos a sós e a sua figura, confesso, intimidava.

Ia falar sobre a criação do Serviço Nacional de Saúde. E sobre os problemas que já então se abatiam sobre o SNS. Mais propriamente sobre as orientações do ministro da Saúde – à época Luís Filipe Pereira (LFP) – para os cuidados primários e para a gestão hospitalar. O antigo Ministro dos Assuntos Sociais (II Governo Constitucional) apontava ao então titular da pasta, culpas que Mafoma jamais se atreveria a apontar ao presunto. Entre outras que LFP mais não era do que “um empresário dos Mello emprestado à Saúde”; um gestor sem qualquer sensibilidade para os problemas da Saúde, cujo objetivo é esvaziar as competências do SNS para o privatizar”. Para Arnaut o SNS não podia ser outra coisa que não aquilo que projetara no final da década de 70 do século passado: um serviço “universal e gratuito que garanta a todos os Portugueses, em igualdade de circunstâncias, o acesso aos cuidados de saúde”. Tudo o mais escapava ao imperativo constitucional, entretanto já conspurcado com a introdução da ressalva “tendencionalmente gratuito”. Algo que incomodava – e muito – o “Pai” da instituição.

Duas décadas volvidas, o sonho de Arnaut mantém-se por cumprir na íntegra. Os portugueses são dos europeus que mais pagam do seu bolso pelos serviços de saúde que auferem, mais de 1,5 milhões não têm sequer acesso a médico de família; o “espírito” que guiou o Serviço Médico à periferia é uma curiosidade histórica; faltam investimento, recursos humanos, tecnologias inovadoras, entre muitas outras coisas.

Aqui há minutos recebi no meu correio eletrónico um convite para participar numa conferência intitulada “Será o SNS ainda Viável?”. A simples possibilidade de alguém imaginar que possa não ser deixa-me estarrecido. Hoje, dia em que se assinalam em simultâneo o “Dia Nacional do SNS” e “Dia Internacional da Democracia”, lançámos um desafio a um vasto conjunto de personalidades: de afirmação de que o SNS é não só viável, mas o modelo por excelência de garantir o imperativo constitucional de acesso à saúde por parte de todos os portugueses. É difícil, sei-o bem, mas também estou convicto de que é realizável. Lá para novembro, estamos a preparar uma conferência para apontar formas de realizar o imperativo constitucional que alicerça a nossa democracia.

MMM

MENSAGEM Manuel Pizarro. Médico e Ministro da Saúde

Mensagem de Manuel Pizarro. Médico e Ministro da Saúde

Mensagem de Manuel Pizarro. Médico e Ministro da Saúde

O SNS é uma criação da democracia portuguesa, tendo tido consagração constitucional em 1976 e lei fundadora aprovada em 1979.
Durante estas quatro décadas e meia mudou de forma radical o panorama sanitário do nosso País. O velho Portugal do fascismo, em que as pessoas estavam abandonadas à sua sorte, e os indicadores de saúde espelhavam um verdadeiro atraso civilizacional, foi transformado num país moderno, com resultados em saúde que ombreiam com os melhores do Mundo.

ENTREVISTA

Prof. António José Barros Veloso: “CSP não cumprem a sua missão de forma eficiente”

Prof. António José Barros Veloso: “CSP não cumprem a sua missão de forma eficiente”

“Os cidadãos têm de ter o seu médico assistente, no centro de saúde, para os atender quando adoecem”, defende o Prof. Doutor António José Barros Veloso, diretor do Serviço de Medicina do Hospital dos Capuchos (1986 a 2000), presidente da Sociedade Médica dos Hospitais Civis (1987- 1989), da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (1992-1994) e da Comissão de Ética para a Investigação Clínica (2005-2011). Além da dificuldade que os cidadãos têm para aceder aos cuidados de saúde primários, «os médicos de família foram sobretudo preparados para fazer prevenção da doença e promoção da saúde e não para tratar doenças agudas. E não me parece que a reforma que o Ministério da Saúde está a fazer vá corrigir isto».

EM DIRECTO COM EX-MINISTROS

Considera possível garantir, na prática, que as decisões e a gestão relacionadas com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) sejam conduzidas de forma democrática e transparente, envolvendo os cidadãos e outras partes interessadas? Como poderia isso ser concretizado?

Dada a coincidência do Dia Nacional do SNS com o Dia Internacional da Democracia, ambos celebrados a 15 de setembro, que reflexões deseja partilhar com os leitores sobre a relação saúde e democracia, em Portugal, assegurando que as necessidades e as vozes dos cidadãos são tidas em consideração no contexto do mandato constitucional do SNS?

CONTRIBUTOS

Democracia e Saúde: avanços e recuos

Democracia e Saúde: avanços e recuos

por Eduardo Paz Ferreira
Advogado; Presidente do Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal (IDEFF) e do Instituto Europeu (IE) da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Saúde e Democracia

Saúde e Democracia

por Delfim Rodrigues
Coordenador do Programa Nacional de Implementação das Unidades de Hospitalização Domiciliária nos hospitais do SNS

ORGANIZAÇÃO

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