“Eu não sei qual foi o tipo de intervenção [do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa], quer dizer todos os dias nos chegam também, por exemplo, à Santa Casa da Misericórdia […] porque também nos chegam apelos e pedidos e cabe às instituições dar uma resposta adequada”, declarou Ana Jorge, falando sobre o caso das gémeas luso-brasileiras tratadas em Lisboa em 2020.
À margem da assinatura do protocolo de implementação da 3.ª fase do programa “Lisboa, Cidade de Todas as Idades”, nos Paços do Concelho, a provedora da SCML disse que ainda hoje esteve em mãos “uma carta da Presidência sobre uma situação”, que terá de ser analisada pela instituição.
Questionada sobre se quando era ministra da Saúde também recebia apelos por parte da Presidência da República, Ana Jorge respondeu: “Neste momento, não sei de nenhum caso, não me lembro de nada. Já saí há mais de 12 anos do Governo. Não consigo lembrar-me”.
“Há preocupações que nós ouvimos e que muitas vezes nem sempre aquilo que chega corresponde à realidade e, portanto, temos de analisar, sempre que nos chega um pedido, uma queixa, qualquer coisa a propósito de um doente ou de uma situação tem de ser observada e analisada pelos serviços. Isso é, obviamente, verdade, seja da Presidência da República, seja de outro qualquer, de um cidadão comum que muitas vezes escreve a perguntar que esta situação não está a correr bem ou o que é que se passa com ela e isso tem de ser visto”, afirmou a antiga governante.
Sem querer pronunciar-se sobre o caso específico das gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinhal e das suspeitas de influência do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no tratamento destas doentes no Hospital Santa Maria, em Lisboa, Ana Jorge ressalvou que “muitas vezes há aqui situações que são aproveitadas, de uma forma ou de outra, por informação nem sempre completa”.
“É sempre algo que nos preocupa muito quando somos profissionais de saúde e temos à frente dois gémeos ou outros com uma situação e com uma doença que é incurável e que não tem tratamento curativo, que tem fundamentalmente forma de conseguir manter a vida, que gostaríamos de fazer tudo por todos”, expôs.
“Há aqui umas histórias à volta disso. Obviamente que isto é difícil de comentar, a não ser a preocupação, e eu considero que os profissionais de saúde têm sempre presentes aquilo que é melhor para o seu doente”, frisou a antiga ministra da Saúde nos executivos de José Sócrates (PS), entre 2008 e 2011.
Em relação à atual situação de encerramento de urgências, Ana Jorge manifestou preocupação, apesar de considerar que “não é nada que não fosse expectável de acontecer”, defendendo o estabelecimento da rede hospitalar de urgência e alternativas para quem não precisa de cuidados hospitalares.
“Se o setor público não for forte, é muito difícil que a saúde se mantenha para todos os portugueses com esta qualidade que nos fomos habituando”, apontou a antiga governante, considerando que as parcerias com o setor social e privado têm de ser “muito bem acauteladas”, para evitar a saída de profissionais do setor público para o setor privado.
O caso das gémeas foi revelado numa reportagem da TVI, transmitida no início de novembro, segundo a qual duas crianças luso-brasileiras vieram a Portugal em 2019 receber o medicamento Zolgensma, – um dos mais caros do mundo – para a atrofia muscular espinhal, que totalizou no conjunto quatro milhões de euros.
Segundo a TVI, havia suspeitas de que isso tivesse acontecido por influência do Presidente da República, que negou qualquer interferência no caso.
O caso está a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República, pela IGAS e é também objeto de uma auditoria interna no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, do qual faz parte o Hospital de Santa Maria.
LUSA/HN
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