Paulo Seabra, Doutor em Enfermagem, Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, Professor Coordenador na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Investigador no Centro de Investigação, Inovação e Desenvolvimento em Enfermagem de Lisboa (CIDNUR)

Convocatória: Profissionais de Saúde para responder aos problemas das pessoas com comportamentos Aditivos e Dependências

02/01/2024

O uso de substâncias psicoativas, vulgarmente conhecidas como “drogas”, continua a ser uma epidemia a nível global com 296 milhões de pessoas com perturbações por uso de drogas em todo o mundo, demonstrando um aumento de 23% nos últimos 10 anos (Organização Mundial da Saúde (OMS), 2023). No que se refere ao álcool estima-se que existam 283 milhões de pessoas com perturbação por uso de álcool (OMS, 2018). Prevê-se que este número de pessoas com consumos problemáticos destas substâncias cresça nos próximos anos e é importante destacar que apenas 1 em cada 5 pessoas recebe tratamento para a sua perturbação por parte dos serviços de saúde (OMS, 2023). Sendo um problema prevalente em muitos países, o espaço da União Europeia é uma das zonas mais problemáticas no que se refere ao álcool, não deixando de continuar a ser significativo o número de cidadãos dependentes de opiáceos, o número crescente de consumidores de estimulantes, crack, cannabis e substâncias sintéticas (em constante transformação, mais potentes e com variáveis formas de apresentação). O enorme problema do Fentanil nos Estados Unidos da América e no Canadá tem vindo a crescer na Europa, embora ainda não seja uma epidemia, com aparecimento recente de casos em Portugal.

Em Portugal entre 2001 e 2022, a prevalência ao longo da vida, para qualquer substância psicoativa ilícita, passou de 7,8 % para 12,8 % da população entre os 15-64 anos. Especificando para cada substância e o seu consumo nos últimos 12 meses, cannabis 2,8%, cocaína 0,2%, heroína 0,4%, anfetaminas <1%, ecstasy 0,1%. Quanto ao álcool enquanto a prevalência ao longo da vida reduziu de 86,4% para 75,8% entre 2001 e 2022, no último ano assumiram consumos 57,7% e, no que se refere a um consumo severo no último ano apurou-se 10.3% da população (Balsa et. al., 2023).

Estes dados que nos transmitem a dimensão do problema, devem ser associados ao número de internamentos hospitalares por comorbilidades relacionadas com os consumos, às mortes associadas (verificou-se um aumento de mortes por overdoses no último ano) e aos acidentes rodoviários e suas consequências. E devem ser refletidos no momento em que o país regressa, 12 anos depois, a um modelo de serviço integrado (da conceção de respostas a sua implementação) e autónomo (instituto com a sua hierarquia organizacional e de intervenção e estratégias de cooperação com outras estruturas), o Instituto para os Comportamentos Aditivos e Dependências (ICAD).

Um serviço com a determinação das áreas de intervenção aproximadas às anteriores deve ter em conta a evolução da sociedade, das substâncias, das formas de consumo, da evolução na oferta, dos comportamentos aditivos sem substância, etc., mas deve acima de tudo ter em consideração que os profissionais evoluíram significativamente nos seus percursos formativos e competências, que há escassez de profissionais de saúde e por isso, um quadro de aproveitamento da interligação por competências pode ser facilitador das respostas e necessidades da população. Devemos, contudo, reconhecer que em Portugal há escassez de formação pós-graduada e há escassez de investigação na área dos CAD.

Mesmo reconhecendo que há em termos globais escassez de atualização formativa na área dos CAD e não é exigida certificação especifica para trabalhar na área, temos de valorizar os profissionais de saúde pelo esforço que fazem e pelo contributo que dão. Contudo, sendo este problema tão complexo, em que todos somos convocados a intervir, não deverão as sociedades reconhecer a relevância do maior grupo profissional da saúde a nível mundial. Existem atualmente 28 milhões de enfermeiros no mundo (metade dos profissionais de saúde). Se todos, ou a maioria deles, for detentora de conhecimentos na área da prevenção, deteção, intervenção, referenciação, e na capacitação para a autogestão da doença, não terão um contributo fundamental para fazer face ao problema? Eu não tenho dúvidas!

Referências

Balsa, C., Vital, C. & Urbano, C. (2023). V Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral, Portugal 2022. FCSH Universidade Nova de Lisboa.

OMS (2018). Global status report on alcohol and health 2018. Geneva: World Health Organization; 2018.

OMS. (2023). World Drug Report 2023 (United Nations publication, 2023).

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