Em termos macro, e globais, são compromissos do Governo: corrigir as assimetrias locais e regionais; responder melhor ao desafio do envelhecimento populacional; estabelecer uma política intersectorial de promoção da natalidade; propor o Plano de Emergência do SNS e o seu modelo de implementação. Este plano será apresentado em 60 dias e executado em 2024-25. Explica o Governo: “Este plano de emergência visa garantir que os tempos máximos de resposta são garantidos, para consultas de especialidade, e cirurgias e meios complementares de diagnóstico e terapêutica. Pretende igualmente garantir a resposta de urgência em saúde materno-infantil; e visa atribuir um médico de família a todos os portugueses, começando pelas pessoas mais frágeis.”
Que medidas pretende o executivo de Luís Montenegro implementar para atingir estes resultados, é algo que o documento omite, sendo certo que a maioria das medidas referidas também constavam no programa de muitos outros governos constitucionais, sem que algum deles tivesse logrado alcançar sucesso em qualquer dos objetivos.
Dar um médico de família a cada português é algo que já consta dos programas do executivo há mais de três décadas, como se o decorrer do tempo e a insistência fossem por si só capazes de alcançar tal desiderato. Desta feita há uma novidade: o prazo para a concretização desta medida: consulta no médico de família em tempo útil até ao final de 2025.
Com a evidente falta de recursos físicos e humanos nos centros de saúde e USF e quase dois milhões de utentes sem médicos de família atribuído, não vemos como será possível, no prazo anunciado, cumprir a promessa. O tempo o dirá.
São igualmente compromissos do Governo: definir um Plano Plurianual de Investimentos para o SNS, “que visa modernizar tecnologicamente as suas unidades e qualificar as suas infraestruturas”. Isto se conseguir um orçamento retificativo, porque com o que existe não vemos como tal será possível.
Outra das apostas do novo executivo é a de abrir novas unidades de cuidados paliativos e unidades de cuidados continuados de 2.ª geração, “recorrendo complementarmente a novos modelos de Parcerias Público Sociais”. Ou seja, abrindo espaço para parcerias público/privada/social nesta área.
Prévia aos compromissos no que respeita ao reforço de recursos humanos, surge no programa a promessa de realização de rastreios oncológicos em todo o território, bem como o reforço da rede oncológica nacional.
Também sem especificar exatamente o âmbito e abrangência do que se pretende com a medida, promete o Governo alargar os cuidados prestados pelas farmácias comunitárias, bem como o reforço de meios e incentivos para as equipas de hospitalização domiciliária e reforço da assistência no domicílio para os doentes que necessitam, “em estreita colaboração com as autarquias e outros intervenientes no sector”.
Organizar o sistema de prestação de cuidados de saúde hospitalar com maior autonomia e avaliação de resultados; programas transversais de promoção da saúde e saúde preventiva em sede interministerial e em articulação com as autarquias locais: outras das diretrizes do Programa agora apresentado. Antes, creem muitos, seria necessário convencer a maioria das autarquias que até agora se têm negado a fazê-lo, a aceitar a transferência de competência na área da saúde, algo que também não se vislumbra possível no curto prazo.
Também lançando no horizonte próximo o espetro de novas PPP, quer o Governo implementar um novo programa nacional de saúde oral com unidades privadas de Medicina Dentária (a ser apresentado até ao final do ano).
Outra das promessas recorrentes (pelo menos desde 2009), nunca cumpridas, que o atual executivo pretende concretizar é a da implementação do Registo Eletrónico de Saúde (RES) até ao final de 2025.
Também lançando no horizonte a perspetiva de novas PPP, pretende o Governo de Luís Montenegro avaliar o desempenho das Unidades Locais de Saúde (ULS), rever a sua planificação e concretizar Sistemas Locais de Saúde flexíveis com participação de entidades públicas, privadas e sociais.
Mas há mais a rever, promete o executivo: desenvolver um novo modelo de contratualização do SNS, reformular a direção executiva (“com uma alteração da sua estrutura orgânica – mais simplificada –, e das suas competências funcionais”). E aqui surgem muitas dúvidas: desde logo, se o que se pretende é esvaziar a autonomia e os poderes consagrados no estatuto da DE-SNS. Se assim for, é bastante real a possibilidade de o atual Diretor Executivo se demitir, esvaziado que estará dos poderes (ainda assim limitados) consagrados no estatuto da DE-SNS. Recorde-se que no processo encetado pelo anterior executivo, ao invés de se avançar para um modelo de Administração Central do SNS que detinha as funções hoje plasmadas na DE-SNS e na ACSS, prevista já desde o tempo de Maria de Lourdes Pintasilgo e nunca transposto do papel à prática, se avançou para um DE-SNS sem poderes, de facto, para influenciar a contratação de pessoal ou determinar a necessidade de investimento.
Em sentido inverso, quer o Governo reforçar a autonomia das instituições – “através de um novo modelo de gestão descentralizada e suportada em princípios de sustentabilidade económico-financeira e de garantia da utilização das melhores práticas de gestão orçamental e de recursos humanos”; e desenvolver os Centros Académicos Clínicos (em projetos de I&D+I). Quanto à direção executiva, a reformulação visa “uma governação menos verticalizada e mais adequada à complexidade das respostas em saúde, articulação entre redes de cuidados e modelos de contratualização e financiamento, infraestruturas, recursos humanos e transformação digital na saúde”. Um quadro que se plasma perfeitamente na opção pelas PPP, que no caso ficariam em concorrência direta com o setor público.
Consultas hospitalares e de Medicina Geral e Familiar
O Governo pretende contratar consultas de especialidade na rede de unidades de saúde convencionadas sempre que seja ultrapassado o tempo máximo de resposta garantido no SNS; incentivar USF modelo B em todo o território nacional (não fornece, no entanto, dados sobre a despesa prevista com a adoção da medida; nem mesmo quais os critérios de desempenho [que até aqui eram inflexíveis] para que uma USF modelo A transitasse para o modelo B [em que a remuneração é sensível ao desempenho]). Salientar, neste ponto, que o salário de um médico de família a exercer numa USF Modelo B pode facilmente alcançar, ou mesmo ultrapassar, o do Primeiro Ministro. E que há mais de um milhar de primeiros ministros em “lista de espera”. A despesa permanente que resultaria da passagem de todas as unidades de saúde primários para USF Modelo B, está estimado em mais de 150 milhões de euros/ano.
Outra das medidas recuperadas dos programas de Governo dos últimos Governos Constitucionais, sempre sem sucesso, é a de criar condições para que médicos de família aposentados possam continuar a trabalhar no SNS. Desconhecem-se de todo quais os atrativos que o atual governo pretende oferecer para alcançar tal objetivo.
Outras das medidas que irão acrescentar despesa ao já parco orçamento, previstas no Programa do Governo, são as de alargar o programa Cheque-Dentista; reforçar as equipas de apoio domiciliário; abrir projetos pilotos de USF modelo C; alargar a implementação de consultas de Psicologia Clínica, Terapia de Reabilitação e Nutrição nos centros de saúde.
Urgências
O Governo pretende: implementar um Plano de Motivação dos Profissionais de Saúde para as equipas de urgência; redefinir a Rede de Urgências e referenciação hospitalares; consulta de doença aguda nos cuidados de saúde primários. Mais uma vez, também aqui o Programa não informa das medidas concretas que irá implementar para alcançar os objetivos.
Cirurgias
O Governo propõe: criar incentivos no programa de produção acrescida do SIGIC com indicadores de resultado clínico; promover a auditoria regional e nacional a Tempos Máximos de Resposta Garantidos na rede hospitalar; implementar indicadores hospitalares obrigatórios de resultado cirúrgico em sede de contratualização; desenvolver um sistema competitivo para cirurgia de ambulatório; reforçar o investimento nos centros públicos de PMA.
Motivar os Profissionais de Saúde
O Governo tenciona criar um Plano de Motivação dos Profissionais de Saúde: “Este plano versará sobre as diferentes carreiras dos profissionais de saúde e não deixará de contemplar a sua progressão e formação ao longo da vida”.
Além disso, o Governo pretende: valorizar as equipas de saúde pública; promover uma abordagem específica com as ordens profissionais e as associações representativas no que respeita à retenção de jovens quadros; nas zonas mais carenciadas, definir incentivos para atração de profissionais de saúde, mais uma vez em articulação com as autarquias locais (mais uma vez, a ver se estas aceitam a encomenda); alargar as equipas multidisciplinares no SNS, nomeadamente ao nível dos CSP e destacando o papel do enfermeiro de família; e rever a carreira da administração hospitalar.
Promoção da saúde e prevenção da doença
O Governo compromete-se a: criar um Programa Prioritário de Promoção da Saúde Oral, bem como um Programa Prioritário de Saúde Mental Comunitária (este último incluindo a prevenção primária de toxicodependências e prevenção comunitária escolar e universitária); e integrar as diferentes unidades do Sistema Nacional de Saúde de forma a reforçar a rede pública.
Cuidados de proximidade
Na área social, são objetivos do Governo: certificação e auditoria regulares dos lares; exigência de equipas médicas e multidisciplinares nas unidades de cuidados continuados (“em articulação estreita com as unidades públicas de saúde, através de contratos-programa plurianuais entre o SNS e as Misericórdias, IPSS e demais setor social”); reforçar a formação, certificação e expansão da oferta de cuidadores informais; fortalecer a rede de cuidados paliativos pediátricos e de adultos (“através da integração em protocolos dinâmicos de apoio domiciliário e cuidados ambulatórios”); promover a articulação clínica na gestão dos doentes da rede de cuidados continuados ou paliativos com os centros de saúde e USF; e desenvolver redes de cuidados continuados, paliativos e de centros ambulatórios de proximidade.
Dados em Saúde
O Governo vai criar um Ecossistema Nacional de Dados em Saúde e implementar o Registo Eletrónico de Saúde (RSE).
Outras medidas
No programa, o Governo diz ainda que “devem ser também revistas as medidas dirigidas a pessoas portadoras de deficiência e de doença incapacitante, definindo novos indicadores de qualidade de vida, com a participação direta das associações de doentes, numa perspetiva inclusiva e de ganhos de saúde”. Além disso, assume-se a intenção de reforçar as USF: “A evolução do modelo de prestação de cuidados de saúde primários através de Unidades de Saúde Familiar (USF) pretende otimizar a resposta de saúde à escala das comunidades locais, mas regista uma insuficiente dispersão geográfica. Importa ir mais longe e de forma mais profunda numa rede de cuidados de proximidade assentes na resposta integrada de saúde e apoio social, com o envolvimento direto das Autarquias Locais e de todas as instituições públicas, privadas e sociais que atuam localmente.”
O Governo pretende articular “a rede pública, social e privada existente em cada Freguesia e Município”. “A implementação dos Planos Municipais de Saúde – com enfoque acrescido na saúde preventiva – constitui um instrumento central da efetiva garantia de equidade e melhor acesso aos cuidados de saúde e um enorme desafio à implementação de um novo modelo de criação de cuidados”, acrescenta.
“Só a articulação entre toda a capacidade instalada no Sistema de Saúde conseguirá responder às necessidades em saúde de forma eficaz, eficiente, previsível e sustentável. E para isso é essencial desenvolver um novo modelo de contratualização que seja justo, equilibrado no tempo, que permita investimento e excelentes resultados para os doentes”, sublinha.
O Sistema e o Serviço Nacional de Saúde “só podem ser avaliados se for desenvolvido um modelo efetivo de medição de resultados e de satisfação pelos seus utilizadores”, entende o Governo.
HN
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