A raiva é uma emoção normal e até saudável, já que é um mecanismo de libertação emocional. Todavia, quando falamos de “raiva problemática” nomeadamente a PEI, estamos a falar de explosões de raiva desproporcionais às situações ou estímulo. A diferença entre raiva normal e problemática reside sobretudo na sua frequência e intensidade, mas também na falta de controlo de impulsos e o impacto no funcionamento diário na vida da pessoa. Se pensarmos que a “raiva problemática” é mais intensa, impactante e na maioria das vezes incontrolável, percebemos a magnitude do impacto no funcionamento diário e nos relacionamentos. Ela leva a consequências negativas sérias e normalmente exige uma resposta a intervenções psicológicas já que, segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição), esta problemática insere-se na classificação de Perturbação de controlo de Impulsos (“raiva problemática” geralmente requer ajuda profissional).
As explosões disruptivas do controlo de impulsos e do comportamento, nomeadamente explosões de raiva recorrentes, representa um fracasso do indivíduo em controlar os impulsos de agressividade, sendo que a PEI, apresenta os seguintes critérios de diagnóstico:
1. Agressão Desproporcional: Comportamento agressivo (verbal ou físico) excessivo e não premeditado, em resposta a estímulos, geralmente dirigida contra propriedade, animais ou outros indivíduos.
2. Frequência dos Episódios: Ocorrência em média de dois episódios agressivos por semana durante três meses, sem dano físico ou destruição de propriedades.
3. Dano Físico ou Destruição: Ocorrência de pelo menos três episódios num período de um ano que resultam em dano físico a outros ou destruição de propriedades.
4. Impulsividade e Desproporcionalidade: Reações impulsivas e excessivamente intensas relativamente à provocação ou situação.
5. Angústia ou Prejuízo Funcional: As explosões de agressividade recorrentes causam mal-estar marcado ao indivíduo ou défice de funcionamento ocupacional, ou interpessoal, além do sofrimento significativo ao indivíduo interfere negativamente em áreas importantes da vida.
6. Não Relacionado a Outras Condições: As explosões de agressividade recorrentes não são mais bem explicadas por outra perturbação mental, efeito de substâncias ou condições médicas.
As causas da Perturbação Explosiva Intermitente, podem ser multifacetadas, envolvendo tanto aspetos de personalidade quanto fatores biológicos, psicológicos e ambientais. Na ótica psicanalítica, sugere que os comportamentos impulsivos podem ser uma defesa contra emoções negativas ligadas a traumas ou privações na infância. Nesse sentido, a impulsividade seria uma maneira de o indivíduo se proteger da emergência de impulsos instintivos, indicando uma possível relação com características da personalidade moldadas por experiências precoces. Já numa perspetiva psicossocial, a ênfase recai sobre fatores educativos e ambientais. Salientando que não são apenas as características da personalidade, mas também o ambiente e as experiências vividas que influenciam o desenvolvimento da perturbação, já que as experiências adversas na infância desempenham um papel crucial. Por exemplo, observa-se uma maior incidência de impulsividade em indivíduos com históricos de abandono, maus-tratos, alcoolismo parental e violência doméstica. Finalmente, a neurobiológica, apontam para uma base biológica da perturbação, sugerindo que fatores genéticos e neuroquímicos também são fatores importantes a ter em conta e reforça a ideia de que há uma componente biológica significativa na perturbação. Estudos indicam anormalidades no funcionamento do lobo frontal e desregulação nos níveis de serotonina e outros importantes neurotransmissores.
Portanto, ao analisar as causas da Perturbação Explosiva Intermitente, é importante considerar uma combinação de fatores, incluindo características da personalidade, influências ambientais e genéticas, experiências de vida, e aspetos neurobiológicos. Essa abordagem multifacetada permite uma compreensão mais ampla e um tratamento mais eficaz da perturbação.
No tratamento da Perturbação Explosiva Intermitente, a psicoterapia desempenha um papel crucial em ajudar os pacientes a implementarem estratégias eficazes de controle e modulação dos impulsos. Importa entender que, geralmente, não se fala em “cura” no sentido estrito da palavra, mas na implementação de estratégias eficazes no controlo e modulação dos impulsos e reações desproporcionais.
Entre as principais abordagens psicoterapêuticas podemos apontar como muito eficaz a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), procura identificar e alterar padrões de pensamento e comportamento que precipitam episódios de raiva. Inclui práticas como técnicas de relaxamento, reestruturação cognitiva e treinamento em habilidades sociais, visando uma melhor gestão emocional e comportamental; As Terapias Psicodinâmicas (psicanálise), que procuram explorar e resolver experiências pretéritas, sobretudo traumas e conflitos internos infantis e que podem estar a influenciar os comportamentos impulsivos atuais. Modernamente as Terapias Baseadas em Mindfulness, Hipnose e Terapia da Aceitação, são muito procuradas já que promovem uma maior consciência dos próprios pensamentos e sentimentos, encorajando uma resposta mais funcional e equilibrada em reação ao seu aparecimento. A atenção plena e a hipnose são ferramentas extremamente valiosas, porque permitem que os pacientes possam alcançar um estado de relaxamento e foco aumentados. Elas têm mostrado notável eficácia na redução do stresse e na melhoria do controle emocional, tornando-se uma adição mais natural e útil ao leque de estratégias terapêuticas dirigidas à PEI. Em suma, o tratamento para Perturbação Explosiva Intermitente é multifacetado, combinando várias abordagens para ajudar os pacientes a controlar melhor a raiva e os impulsos, enquanto trabalham em questões psicológicas mais profundas.
Conviver com alguém que tem Perturbação Explosiva Intermitente pode ser desafiador, já que é preciso ter a calma de um monge e a clareza de um céu de verão. Por isso, cuidar de si é tão importante quanto cuidar do outro. No limite peça ajuda de um profissional, incentivar a busca por terapia é como estender a mão a quem está prestes a cair. Pessoalmente, gosto de fazer uma analogia, “em caso de emergência, num acidente de aviação, é como colocar a máscara de oxigénio primeiro em si antes de ajudar quem está ao lado”.
Existem várias estratégias e conselhos práticos que podem ajudar a gerir melhor esta convivência, tanto para a pessoa afetada quanto para quem está ao seu redor:
1. Psicoeducação sobre a Condição: Informe-se sobre a Perturbação Explosiva Intermitente para entender melhor os comportamentos e as dificuldades enfrentadas pela pessoa e rede de apoio. Compreender a natureza da condição pode ajudar na empatia e na paciência.
2. Comunicação Clara e Calma: Tente manter uma comunicação calma e clara. Evite confrontos quando a pessoa estiver num estado de raiva – recorde-se que a pessoa não consegue controlar as explosões de raiva. Espere até que se acalme para discutir quaisquer problemas ou preocupações. Ou seja, esperar a tempestade passar para então conversar, com a suavidade de uma brisa.
3. Estabeleça Limites Saudáveis: É importante definir limites claros e saudáveis. Expressar de forma assertiva e respeitosa as suas próprias necessidades e limites pode ajudar a prevenir situações de stresse. Quer isto dizer que é preciso afirmá-los com a firmeza de um rochedo, mas com o respeito de um velho amigo ou conselheiro.
4. Evite Situações Desencadeadoras: Se possível, identifique e evite situações que desencadeiam explosões de raiva na pessoa. Isto pode incluir ajustes no ambiente ou alterar rotinas que tendem a ser problemáticas. Um conselho, mudar a rotina, ajustar o ambiente, como quem muda os móveis de lugar para melhor fluir a energia
5. Promova Estratégias de Relaxamento: Auto-hipnose, meditação e respirações profundas, são como gotas de serenidade num oceano de emoções. Encoraje a pessoa a praticar técnicas de relaxamento ou mindfulness, como meditação ou exercícios de respiração, que podem ajudar a gerir o stresse e a raiva.
6. Encoraje a Procura de Ajuda Profissional: Se ainda não estiverem a receber ajuda profissional, encoraje a pessoa a procurar apoio terapêutico. Entender que a ajuda profissional é o farol na noite escura, guiando o barco para águas mais seguras. Nesse sentido, ofereça-se para ajudar na procura de recursos ou até acompanhar em consultas, se apropriado.
7. Suporte Emocional: Ofereça apoio emocional. Uma rede de apoio emocional é o abraço que conforta no meio do caos, o ouvido amigo que escuta quando o mundo parece surdo. Mas, atenção, não se transforme em terapeuta. Cada um com o seu papel.
8. Cuide de Si: Não raro a pessoa ou família que vivem com um paciente diagnosticado com PEI, sofre um tremendo desgaste. Nesse sentido é fundamental que cuide também da sua própria saúde mental e física. Buscar apoio para si, como terapia ou grupos de apoio, pode ser muito benéfico e ajuda a superar os desânimos.
9. Resposta a Crises: Nesta jornada, a paciência e a compreensão são os companheiros de viagem mais valiosos, para quem sofre desta problemática, mas em situações de crise, onde haja risco de dano para si ou para outros, não hesite em procurar ajuda de emergência.
Concluindo, a Perturbação Explosiva Intermitente é uma condição de saúde mental que requer compreensão, e a paciência de quem coabita é crucial. Mas com as estratégias listadas, é possível conviver de forma mais harmoniosa e apoiar efetivamente a pessoa afetada.
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