A alimentação inadequada contribuiu para a perda de anos de vida saudável dos portugueses, aumentando a carga de doença associada a problemas cardiovasculares, diabetes e doenças renais. Estratégias de prevenção e tratamento para as DCNTs, associadas à alimentação inadequada, são fundamentais para otimizar a saúde dos nossos utentes e melhorar a qualidade dos serviços de saúde em Portugal.
As Doenças Crónicas Não Transmissíveis (DCNTs), entre as quais se destacam as doenças cardiovasculares, as doenças mentais, as doenças respiratórias, a diabetes e as doenças renais, foram responsáveis por 90% das mortes e 84% dos anos vividos com doença na região da Europa, em 2019. Mais de 80% das mortes por DCNTs foram causadas por fatores de risco biológicos e comportamentais, entre os quais se destacam os hábitos alimentares inadequados (IHME, 2022).
De acordo com o estudo Global Burden of Disease (IHME, 2024), em 2021, os hábitos alimentares inadequados foram o quinto fator de risco que mais contribuiu para a perda de anos de vida saudável (Disability-adjusted life years, DALYs) e o terceiro fator de risco que mais contribuiu para o total de mortes, em Portugal. A alimentação inadequada contribuiu para a perda de anos de vida saudável dos portugueses, porque contribuiu para a carga de doença associada a doenças cardiovasculares, diabetes e doenças renais.
O baixo consumo de cereais integrais, o elevado consumo de carne vermelha, o baixo consumo de fruta, a elevada ingestão de sódio e o elevado consumo de carne processada estão entre os 5 primeiros fatores de risco alimentar. Para além disso, entre os fatores de risco alimentar, o elevado consumo de bebidas açucaradas, o elevado consumo de carne vermelha, o elevado consumo de carne processada e o baixo consumo de hortícolas, foram os fatores de risco onde se verificou um maior aumento nos DALYs entre 2000 e 2021. Por outro lado, a elevada ingestão de ácidos gordos trans foi o fator de risco alimentar onde se verificou um maior decréscimo na contribuição para os DALYs, entre 2000 e 2021.
Posto isto, é urgente implementar estratégias de prevenção e tratamento para as DCNTs associadas à alimentação inadequada. Todos os contactos com os nossos utentes em contexto clínico, quer nos cuidados de saúde primários, quer nos serviços hospitalares, devem ser uma oportunidade para promover uma alimentação mais saudável e sustentável. As intervenções breves são reconhecidas pela OMS como uma medida custo-efetiva para ajudar os utentes a ultrapassar fatores de risco modificáveis, como o tabagismo, o consumo de álcool, o sedentarismo, e a alimentação inadequada (WHO Regional Office for Europe, 2022). Não existe uma definição formal para “intervenção breve”. Contudo, a OMS propõe dois elementos chave baseados na interação entre um profissional de saúde e o utente: 1) a avaliação da exposição a um determinado fator de risco comportamental (tabagismo, consumo de álcool, alimentação inadequada e sedentarismo) ou fisiológico (aumento do Índice de Massa Corporal); e, 2) a discussão breve, que não excede em média os 10 minutos, que inclui o aconselhamento apropriado para ajudar o utente a alterar a exposição a um determinado fator de risco, envolvendo uma abordagem motivacional ajustada às barreiras e preferências do utente. O aconselhamento breve parece melhorar não só a alimentação, mas também o peso corporal, o colesterol total e HDL, a glicemia em jejum, a pressão arterial e a incidência de diabetes mellitus tipo 2.
No que respeita à alimentação, a Direção Geral da Saúde (DGS) propõe desde 2020, um manual para o aconselhamento breve para a alimentação saudável nos cuidados de saúde primários (PNPAS, 2020). Os cuidados de saúde primários assumem aqui um local privilegiado, uma vez que ao abordar temas como a alimentação o mais precocemente possível, podem contribuir para a diminuição da progressão da doença e para o controlo da mesma após a sua instalação, e consequentemente contribuir para uma menor utilização dos serviços hospitalares. Contudo, a falta de formação médica em matéria de alimentação e nutrição (Crowley J, 2019), o reduzido tempo destinado às consultas, e a motivação, são barreiras importantes para a sua implementação.
O objetivo geral no que respeita ao aconselhamento breve para uma alimentação mais saudável, é encorajar os utentes a (WHO Regional Office for Europe, 2022):
• Consumir mais fruta, hortícolas, leguminosas, frutos secos e oleaginosos e cereais integrais, incluindo pelo menos 400 g de fruta e hortícolas por dia;
• Controlar a ingestão de gordura (não mais do que 30% do valor energético total (VET)) e substituir as gorduras saturadas (carne, manteiga, óleo de coco e de palma, natas, queijo e banha) por insaturadas (peixe, abacate, frutos secos oleaginosos, azeite);
• Reduzir o consumo de sal para menos de 5 g por dia (1 colher de chá), e se possível usar sal iodado;
• Optar por laticínios (kefir, leite magro, iogurte e queijo magro) pobres em gordura e sal;
• Optar por alimentos pobres em açúcar (menos do que 10% do VET, idealmente menos de 5% do VET).
De forma particular, e dando ênfase às doenças cardiovasculares, que constituem a principal causa de morte em Portugal (OCDE, 2021), há recomendações em matéria de alimentação e nutrição muito concretas que podemos (e devemos) fazer aos nossos utentes (ESC, 2021). Com nível de evidência grau A (informação recolhida a partir de vários ensaios clínicos aleatorizados e meta análises), é fundamental promover a Dieta Mediterrânica como padrão alimentar a adotar; substituir as gorduras saturadas por insaturadas; e, reduzir o consumo de sal. Para além disso, devemos procurar incentivar os utentes a aumentar o consumo de fibra para 30-45 g por dia, privilegiando os cereais integrais; consumir 200 g de fruta e 200 g de hortícolas por dia; reduzir o consumo de carne vermelha para um máximo de 350-500 g por semana; consumir peixes gordos (sardinha, atum em lata, salmão, etc.) 1 a 2 vezes por semana; e, consumir 30 g de frutos secos e oleaginosos por dia.
Assim, é fundamental que se implemente, de forma generalizada, o aconselhamento breve ao nível dos hábitos alimentares em contexto clínico para melhorar por um lado a qualidade dos serviços de saúde em Portugal, e por outro otimizar a saúde dos nossos utentes.
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