Rui Cernadas Médico de Família

Coisas simples…

12/06/2024

Os tempos não vão fáceis.
Nem por cá, nem ao que se observa por parte alguma.
Ainda assim mantenho o desejo de que, a idade, não me leve ou estilhace o velho e original sentido de humor e de ver simplicidade onde tudo parece complicado.
Se os tempos não vão fáceis, então os acontecimentos que ocorrem em Portugal e na área do SNS, configuram uma sucessão de episódios, decisões, posições, nomeações e demissões, saídas por vontade própria ou de terceiros, urgências que abrem e fecham, ULS que se substituem às ARS, centros de saúde de novo com filas de madrugada e utentes sem médicos de família – ou a dizerem menos bem dos que lhe são atribuídos, enfim um rol que faz doer e provoca mossa, até em quem se arroga ao direito de manter sentido de humor e prazer pelas coisas simples!
Claro que, “a simplicidade não é uma coisa simples” como afirmava o genial Charles Chaplin…

O cenário que se vive é claramente uma consequência de decisões da Maioria que governou o país até finais de 2023.
Basta verificar como chegamos até aqui:
– Aprovação do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto) marcado por ideologia e sobranceria política;
– Aprovação da orgânica da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (Decreto-Lei n.º 61/2022, de 23 de setembro) que, no contexto de uma amálgama dirigente e burocrática sustenta e mantém uma complexidade que o organograma do SNS aproxima do maníaco obsessivo; e cria uma nova entidade, a Direção Executiva, que faz sombra ao Ministério da Saúde e coabita com os outros monstros centrais da administração da saúde, em Lisboa, na capital, lá bem longe do país real e que, pasme-se, virou a zona carenciada do país!
– Criação, com natureza de entidades públicas empresariais, das unidades locais de saúde (Decreto-Lei n.º 102/2023, de 7 de novembro), outro absurdo da precipitação política incompreensível e apressada, transformando os Cuidados Primários em terra de ninguém, a Saúde Pública numa valência desaparecida em combate e reforçando os pilares de organização hospitalocêntrica.

Como se isso não bastasse, as nomeações são incompreensíveis para quem conhece este meio, mesmo adivinhando ou imaginando quantas recusas devem ouvir os responsáveis pelos convites…
Uma última que me baralhou, mas dividiu, porque gosto de coisas simples, foi a da nomeação pelo Director Executivo do SNS da “Coordenadora Nacional da Equipa Nacional de Apoio à Implementação e Desenvolvimento das USF B” (Despacho nº 13563/2024).
Trata-se de uma Colega que conheço e respeito e com o histórico de ser oriunda da ULS de Matosinhos.
O que tem duas vantagens: é do Norte, a região do País em que a extinta Reforma dos Cuidados Primários arrancou e se desenvolveu desde o início do século e, estava ligada à única ULS que, sendo também a primeira do SNS, terá sido a que resultados sustentáveis atingiu ao longo de mais de 20 anos.
Mas tem igualmente na minha perspetiva, simples e de velho, duas desvantagens: sendo uma especialista em medicina geral e familiar pelo CV publicado em Diário da República, só em 2023 aparece ligada ao modelo USF e, por outro lado, tem um percurso notável e notório ligado ao sindicalismo médico.

Ninguém deve antecipar uma avaliação a que, em rigor, só o tempo saberá responder.
Mas para a minha simplicidade, a conciliação de uma experiência sindical junto e/ou em nome do governo e tutelas para acompanhamento e promoção de boas práticas nas USF, em funcionamento ou a implementar, pelo país todo, é de uma complexidade que me assusta.
Oxalá a Colega venha a ser feliz na missão que aceitou, mas que principalmente, possa evitar o colapso total dos Cuidados Primários e das USF…

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