HealthNews (HN) – Considerando que a saúde é apontada como uma das principais preocupações dos portugueses, qual é a visão do BE sobre o futuro do Serviço Nacional de Saúde? Especificamente, como preveem a articulação entre os setores público, privado e social no programa eleitoral?
Marisa Matias n – O setor público deve ser o principal prestador de cuidados de saúde, enquanto os outros setores, privado ou social, devem ser complementares. Isto porque, como a própria história do país já provou, só um planeamento público (com gestão pública) podem fazer da saúde um direito. É isso que é preciso garantir antes de mais. Que a saúde é um direito. Ou seja, que qualquer pessoa que precise de um cuidado de saúde o pode obter, sem barreiras, económicas ou burocráticas, e sem que lhe perguntem quanto dinheiro tem na conta ou qual o plafond do seu seguro. E quando falamos de cuidado de saúde estamos mesmo a falar de qualquer cuidado: saúde mental ou física, consulta ou cirurgia, exames ou fisioterapia, saúde oral ou oftalmológica, de urgência ou programado. O SNS tem a obrigação de garantir o acesso rápido a todos estes cuidados.
HN – Um dos grandes desafios do SNS é a fixação e captação de profissionais. Que medidas concretas o BE propõe para valorizar, motivar e reter os profissionais de saúde no SNS, particularmente em zonas mais carenciadas?
MM – O que é que um profissional de saúde quer para a sua vida? Certamente o mesmo que muitas e muitos de nós. Um salário que lhe permita viver bem, perspetiva de progressão, um trabalho que lhe permita tempo para viver, liberdade para continuar a investir nos seus conhecimentos (especialização e investigação, por exemplo). E certamente: mais autonomia e menos burocracias que tantas vezes o impedem de realizar o seu trabalho. Então é a isto que temos de dar resposta. Não é preciso fazer de conta que se está a inventar a roda ou dizer que arranjos administrativos (como as ULS em vez do CH) serão a bala de prata. Não são. Fixar profissionais, fazer com que os concursos deixem de ficar desertos, voltar a ter as escalas dos serviços plenas e preenchidas, tudo isso só se fará com 1) 20% de aumento do salário para todos os profissionais do SNS, a que podem acrescer 40% em caso de optarem por exclusividade; 2) progressão mais rápida nas carreiras e lançamento regular de concursos para progressão vertical; 3) alívio das horas em urgência e dos turnos extra para que tenham tempo para outras atividades; 4) um estatuto de risco e penosidade que permita reforma mais cedo sem penalização; 5) tempo para estudar e investigar, sendo que as próprias instituições do SNS deveriam cofinanciar esses investimentos em conhecimento; 6) mais democracia e autonomia nas unidades do SNS.
HN – Que estratégias específicas o BE propõe para melhorar o acesso aos cuidados de saúde primários e assegurar que todos os cidadãos tenham acesso a médico de família? Como pretendem reduzir as listas e os tempos de espera para consultas e cirurgias?
MM – Acesso a equipa de saúde familiar faz-se retendo todos os recém-especialistas que todos os anos são formados no SNS. Com concursos desertos que deixam escapar todos os anos centenas de médicos é que nunca será possível dar uma equipa de saúde familiar a todas as pessoas. Por isso, antes de mais, aplicar as medidas para retenção de profissionais de que falámos na pergunta anterior, a par de outras medidas como a especialização das e dos enfermeiros dos CSP e a criação de uma carreira de secretário clínico. Qualificar os CSP é ainda ter nos centros de saúde, para além de USF-B, serviços de psicologia, nutrição, saúde oral e fisioterapia, de acesso rápido e articulado com a medicina geral e familiar. Melhorar tempos de espera, seja para cirurgia ou consulta, só se fará com mais profissionais a tempo inteiro no SNS. Aliás, é lógico: só havendo profissionais para dar as consultas e as cirurgias necessárias é que elas poderão ser realizadas a tempo. Há sempre quem pretende ver nas dificuldades do SNS uma oportunidade de negócio, mas nós não achamos que a saúde deva ser um mercado, muito menos que os cidadãos sejam doentes ou que as cirurgias sejam mercadoria. Por isso, é no reforço do SNS que está a resposta principal.
HN – A gestão do consumo de substâncias como tabaco, álcool e drogas continua a ser um desafio para a saúde pública. Que medidas preventivas e terapêuticas o seu partido pretende implementar para abordar estas dependências, e como planeiam integrar estas intervenções no sistema de saúde?
MM – Claro que é preciso, antes de mais, informação, literacia e prevenção. Como é preciso que os CSP e as equipas de saúde familiar tenham tempo para fazer medicina preventiva e não apenas controlo de doenças. Para isso precisam de ter menos listas de utentes. Mas é também preciso que as respostas na área do tratamento não estejam sempre em mínimos absolutos, com falta gritante de profissionais, como acontece atualmente. O aumento de respostas para a cessação tabágica, assim como a comparticipação de fármacos para deixar de fumar são respostas bastante mais consistentes do que a mera repressão legislativa sobre o alargamento das proibições de fumo. Estamos certos também que a coragem de intervir e regular o mercado das drogas será também muito mais eficaz, do ponto de vista de saúde pública, do que deixá-las completamente na mãos dos traficantes, Aliás, a experiência da descriminalização é absolutamente paradigmática neste aspeto.
HN – A saúde mental tem ganhado crescente reconhecimento como componente essencial do Bem-estar geral. Quais são as propostas do BE para fortalecer os serviços de saúde mental no SNS, garantir acessibilidade aos mesmos e reduzir o estigma associado a estas condições?
MM – A saúde mental é fundamental. Apesar de tantas vezes ignorada e destratada, a verdade é que sem saúde mental não há saúde de todo. Por isso temos apresentado várias propostas ao longo dos anos. Algumas fizeram caminha, outras não. Por enquanto. Há alguns orçamentos atrás aprovámos a criação e financiamento de equipas comunitárias de saúde mental. Vão fazendo o seu caminho. Propusemos a criação de gabinetes de prevenção e intervenção em ansiedade e depressão nos CSP, coisa que ainda não fez o seu caminho. Também propusemos muito recentemente a elaboração de um novo estudo epidemiológico sobre a situação da saúde mental em Portugal, assim como o reforço do número de psicólogos em centros de saúde, faculdades e escolas. E claro, a melhoria das condições de vida de toda a população. Porque a saúde mental é especialmente determinada social e economicamente. Se não tenho como pagar a renda, se o meu contrato é precário, se vivo pobre e não sei como alimentar a minha família, é óbvio que vou ter muito mais risco de adoecer psicologicamente. E para estas situações não basta ter um psicólogo no centro de saúde. É também preciso ter habitação, salário e contrato.
HN – Face aos desafios do envelhecimento populacional e do aumento da prevalência de doenças crónicas, qual é o compromisso financeiro do BE com o setor da saúde para os próximos quatro anos? Como pretendem garantir a sustentabilidade do sistema mantendo a qualidade e a universalidade do acesso?
MM – Portugal gasta relativamente pouco em saúde (em percentagem do PIB) quando comparado com outros países e, ao mesmo tempo, consegue ter indicadores de saúde bons ou muito bons. É um caso de eficiência a nível mundial. Um dos pilares dessa eficiência é o SNS enquanto planeamento e gestão pública da saúde e, dentro do SNS, a existência de cuidados de saúde primários. Devemos, por isso, investir mais em saúde sem perder os instrumentos que transformam o investimento em ganhos de saúde. Ou seja, sem perder o planeamento público de saúde e o SNS como prestador público de cuidados de saúde. Mas também devemos adaptar o SNS ao envelhecimento da população: gestão de doença crónica, domicílios, aumento da resposta em RNCCI, respostas para as demências para os cuidadores são algumas áreas onde o SNS tem de crescer e muito, por exemplo.
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